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"O Acordo" glamouriza vida, desespero e morte
BERNARDO CARVALHO
especial para a Folha
Quem, por acaso, bater com os
olhos na sinopse de "O Acordo"
pode ser induzido ao erro e achar
que esse filme é uma ode à vida.
Um voyeur desajeitado, com
tendências aparentemente suicidas, e um doente terminal fazem
um acordo: o último se compromete a matar o primeiro se este,
antes, financiar os seus últimos
desejos, por mais desvairados que
sejam.
Não é preciso ser muito esperto
-nem ter lido muitas sinopses de
filmes americanos recentes- para saber que esse tipo de história já
tem o desenlace embutido no início: antes de morrer, o doente terminal levará o aparente suicida a
redescobrir o amor pela vida.
A moral de "O Acordo" seria
mais ou menos esse elogio da vida,
se não fosse pela forma como vem
embrulhada.
Em primeiro lugar, a vida nesse
filme não é bem a que conhecemos e vivemos, mas uma estilização (inclusive da doença e da violência) numa fotografia granulada
ao ritmo da última parada de sucessos da música pop.
Nessa estilização, a morte acaba
ficando reduzida a algo um tanto
nebuloso, mas que poderia ser alçado à passarela de um desfile ou
às páginas publicitárias de uma revista de moda, e a vida se transforma em algo como uma espécie de
férias glamourosas à espera da
morte.
Não é por acaso que, nos créditos finais, quando se revela qual
ator interpretou qual personagem, o espectador descobre, numa tirada engraçadinha, que as
cinzas do doente terminal, cremado, foram feitas de "pêssegos".
O que se faz aqui é a glamourização do desespero e da morte, a
ponto de não sobrar muito do sentimento nem de um nem de outro.
Não é da morte real que parece
tratar esse filme, mas de um outro
tipo de morte, moderninha.
O que acontece em "O Acordo"
é uma contradição entre forma e
conteúdo (a morte como modinha) que torna tudo, dos sentimentos às aflições dos personagens, um tanto irreal, superficial e
pasteurizado. É como se, a cada
gesto, os jovens personagens,
mesmo quando no leito de morte,
tivessem a consciência de estarem
sendo fotografados para alguma
campanha de publicidade sobre
um novo estilo de vida.
O germe desse maneirismo
-que pode até ter marcado como
originalidade autoral outros filmes do que se convencionou chamar recentemente de "cinema independente americano"- se tornou aqui escola da falsidade.
"O Acordo" é o tipo de filme
que faz o espectador sonhar com
um mundo (e um cinema) um
pouco mais verdadeiro, por mais
ingênua que essa nostalgia possa
parecer nesse contexto.
Filme: O Acordo
Produção: EUA, 1997
Direção: Finn Taylor
Com: David Arquette, Brad Hunt, Cathy
Moriarty
Quando: a partir de hoje, no Espaço
Unibanco de Cinema - sala 4, Estação
Lumière 1 e Interlar Aricanduva 10
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