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CINEMA/ESTRÉIAS
Na pele dos humanos
Versão de Tim Burton para "Planeta dos Macacos" ganha abordagem sobre o mundo atual
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Tim Burton é um cineasta
político, e é nessa direção que
encaminha a nova versão de "Planeta dos Macacos".
No original, de Franklin Schaffner (de 1967), a história dos astronautas transportados a um futuro
remoto, para um planeta onde os
macacos dominavam os homens,
colocava ênfase sobretudo na descoberta de um universo bem
maior do que o conhecido até
aqui.
Estávamos no auge da corrida
espacial. Schaffner evitava o confronto habitual entre homens e
seres extraterrestres e investia
num veio bem mais original: o
homem era confrontado a si mesmo, à sua evolução, à hipótese de
autodestruição (a Guerra Fria
também estava em pleno andamento). O homem era o macaco
do homem, por assim dizer: seu
antecessor, na escala da evolução,
que, por incompetência, via-se reduzido à condição de ser dominado.
Essas características não estão
ausentes da nova versão. Mas a
ênfase de Burton vai para a questão da dominação, o que certas
mudanças deixam claro.
Novos rumos
A primeira, talvez mais importante, é a substituição de Zira, símia especialista em homens, por
Ari, filha de um senador e uma típica intelectual de boas intenções,
que observa estarrecida o mundo
em que vive, onde os homens são
escravizados, o militarismo é uma
ameaça constante (representado
aqui sobretudo pelo general Thade) e o obscurantismo em relação
ao outro corre solto.
Em poucas palavras, Burton
deixa as sutilezas de lado para tornar claro que é da sociedade humana que está falando. A cultura
simiesca é primitiva, menos por
serem os macacos primitivos do
que por representarem o que o ser
humano tem de pior, da incapacidade de conviver com as diferenças (as menções, irônicas ou não,
ao racismo são frequentes) ao sadismo explícito que domina essa
cultura.
Não por acaso, Burton volta a
investir numa direção de arte puxada para o gótico (não muito diferente da futurística Gotham
City de "Batman"), que não raro
evoca o nazismo (mas, como se
verá no lancinante final, não é o
nazismo o seu alvo).
No setor roteiro, o filme divide-se em duas partes. A primeira, até
a fuga dos homens (acompanhados de Ari); a segunda, em torno
da cidade proibida; e o epílogo.
É verdade que o roteiro perde
força na segunda parte, ao se tornar excessivamente demonstrativo: trata-se, então, de dar ênfase
aos arroubos destrutivos dos militares e seu espírito brucutu.
Épico
É nessa parte, no entanto, que
mais pensamos no que poderia
render um filme como "Gladiador", se não estivesse nas mãos
inconsequentes de Ridley Scott.
Com Tim Burton, voltamos à era
dos grandes épicos, de "Spartacus" (representação de uma revolta de escravos em Roma, por
Stanley Kubrick), até "Os Dez
Mandamentos" (a fuga dos judeus do Egito, segundo Cecil B.
DeMille). Que Burton está mais
próximo do progressismo de Kubrick do que do reacionarismo de
DeMille, não há dúvida. Mas não
é esse o ponto: é o sentimento de
grandeza do cinema que ressurge
na tela. Não estamos lá apenas para passar duas horas agradáveis.
O cinema pode ser um pouco
mais.
É isso justamente que o novo
"Planeta dos Macacos" nos oferece: uma reflexão sobre o mundo
contemporâneo, suas mazelas
políticas, a maneira como a opressão se instala pela força e em seguida forja um discurso para se
justificar.
É isso que faz admirar o diretor
Tim Burton: um dos raros cineastas capazes de conviver com
Hollywood e ganhar batalhas
contra seus símios. Porque, em
outro nível, "Planeta dos Macacos" não deixa de ser uma simpática metáfora da luta desigual entre realizadores consequentes e os
símios que dominam a indústria
de cinema.
Planeta dos Macacos
Planet of the Apes
Direção: Tim Burton
Produção: EUA, 2001
Com: Tim Roth, Mark Wahlberg, Helena
Bonham-Carter
Quando: a partir de hoje nos cines Plaza
Shopping, Cinearte, Eldorado, Iguatemi,
Lar Center, Morumbi, Unibanco Arteplex
e circuito
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