São Paulo, sábado, 03 de agosto de 2002

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"OS RETRATOS DE OSCAR WILDE"

Obra une Dorian Gray a amor de Shakespeare

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

A editora Nova Alexandria teve a feliz idéia de reunir num só volume duas narrativas centrais da obra do escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900): "O Retrato de Dorian Gray" e "O Retrato do Sr. W.H.".
Além da coincidência da palavra "retrato" no título (algo que só ocorre em português, já que no original um deles fala em "picture" e o outro, em "portrait"), os dois textos têm em comum o tema da máscara, da tensão entre a degradação da carne e a pureza do espírito, ou entre a fugacidade da vida e a perenidade da arte.
As semelhanças param por aí. Enquanto "Dorian Gray" é a obra mais célebre e celebrada de Wilde, "O Sr. W.H." é um texto relegado a um injusto segundo plano. Na edição brasileira anterior do texto, por exemplo, ele vinha "escondido" no volume "Contos" de Oscar Wilde, publicado pela Nova Fronteira, com tradução de Barbara Heliodora.
A edição da Nova Alexandria vem, portanto, resgatá-lo do virtual esquecimento.
Sobre "O Retrato de Dorian Gray" muito já se falou. Romance gótico moderno sobre o homem que tem sua beleza e juventude preservadas enquanto seu retrato envelhece e se cobre de cicatrizes por conta de sua vida devassa, é uma versão decadentista do mito de Fausto. Foi adaptado inúmeras vezes para o teatro, o cinema e a televisão.
"O Sr. W.H.", por sua vez, é um dos textos mais modernos de Wilde, tanto pela mistura de gêneros (ensaio, ficção, memórias) como pela intertextualidade e pela metalinguagem.
Foi publicado pela primeira vez em 1889, na "Blackwood Edinburgh Magazine", e ampliado posteriormente pelo autor, que, entretanto, não chegou a publicar em vida a nova versão. Dada como perdida, esta só foi recuperada em 1973 e incorporada a suas obras completas.

Controvérsia
Trata-se de um conto longo em que, dito resumidamente, o narrador (o próprio Wilde) investiga e explicita uma nova teoria sobre a identidade dos personagens presentes nos "Sonetos" de William Shakespeare, sobretudo do misterioso "W.H.", a quem os poemas são dedicados.
A questão é controversa até hoje. Os sonetos cantam amorosamente a beleza de um jovem e manifestam perturbação diante da sensualidade de uma mulher morena ("dark lady" no original). Quem seriam essas figuras?
À época de Oscar Wilde, uns acreditavam que W.H. fosse William Herbert, conde de Pembroke; outros, que se tratasse de Henry Wriothesley, conde de Southampton e protetor de Shakespeare. Quanto à "dark lady", seria a sra. Mary Fitton (uma mulher casada), segundo a crença predominante.
O que Wilde faz em "O Retrato do Sr. W.H." é lançar uma nova teoria: o mancebo homenageado pelos sonetos seria um jovem ator da companhia de Shakespeare; a dama morena, uma mulher voluptuosa e vulgar que o teria seduzido e com a qual o próprio poeta teria se envolvido para livrar de suas garras o amado.
Claro que Wilde usou o contexto elisabetano para fustigar indiretamente o moralismo da época vitoriana em que ele próprio vivia, aproveitando o ensejo para fazer uma defesa da relação homossexual platônica como uma forma espiritualmente elevada de amor. De quebra, expôs suas idéias sobre arte e representação.
Para isso, mobilizou erudição e fantasia em doses generosas. Ao mesmo tempo que realiza uma brilhante (ainda que falha) exegese dos sonetos, o conto constrói todo o drama humano que estaria por trás dos poemas de Shakespeare, dando vida a personagens e ambientes da Inglaterra do final do século 16 e início do 17.
Não fosse por certa afetação da linguagem e pela tendência à prolixidade, "W.H." poderia ser comparado aos vertiginosos contos-ensaios que Jorge Luis Borges escreveria meio século depois, em torno de obras literárias.
Em suma, um texto que, talvez mais até do que o magnífico "O Retrato de Dorian Gray", provoca ainda hoje inquietação e prazer. O que mais se pode querer de um texto de ficção?


Os Retratos de Oscar Wilde (O Retrato do Sr. W.H. e O Retrato de Dorian Gray)
    
Autor: Oscar Wilde
Tradutor: Aníbal Fernandes
Editora: Nova Alexandria
Quanto: R$ 35 (279 págs.)



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