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Desafeto do vencedor do Nobel, com quem concorre ao posto de melhor escritor português, tem livro de 83 lançado no Brasil
O Anti-Saramago
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
O trocadilho que lhe persegue é
o do "Lobo solitário". Avesso a
entrevistas, inimigo dos tintins
dos coquetéis, "anti-sócio" de toda e qualquer agremiação, António Lobo Antunes tem produzido
em sua toca aquilo que José Saramago constrói diante de uma alcatéia de holofotes e microfones.
Tal como o Nobel de 1998, o escritor lisboeta vem fazendo, em
língua portuguesa, uma das melhores literaturas do mundo.
A opinião, que tem respaldo em
todos os principais idiomas do
Ocidente, vem se arrastando em
marcha lenta em direção ao único
grande mercado editorial lusófono fora de Portugal. A editora
Rocco está lançando no Brasil o
sexto dos 16 livros escritos por esse autor classificado recentemente pelo jornal espanhol "El País"
como "o maior escritor vivo".
Não se trata de "Não Entres Tão
Depressa nessa Noite Escura", de
2000, nem de "Que Farei Quando
Tudo Arde?", publicado no ano
passado. É "Fado Alexandrino",
lançado há quase duas décadas
em Portugal, que cruza o Atlântico pela primeira vez. Não é à toa
que durante a feira de livros de
Frankfurt de 2000, em meio ao incenso generalizado que recebia de
público e crítica alemão, o escritor
respondeu da seguinte forma o
pedido de entrevista da Folha:
"Deixem o Brasil para o Saramago. É o único lugar que ele tem".
Desta vez foi diferente. Com voz
de cordeiro, não de lobo, o autor
conversou generosamente pelo
telefone, de seu escritório na capital portuguesa. "Puxa, estão lançando "Fado Alexandrino'? É
muito curioso. Meus livros saem
por toda parte, menos por aí. Estou menos editado no Brasil que
em países como a Eslovênia ou a
Coréia", comenta Lobo Antunes,
que logo relembra que é neto de
um brasileiro, de Belém do Pará.
O livro que está sendo lançado
no Brasil, espécie de sinfonia que
narra o reencontro em Lisboa de
oficiais portugueses que haviam
servido na guerra colonial entre
Portugal e Moçambique, está hoje
tão distante na memória do autor
quanto Eslovênia e Coréia.
"O que mais me recordo é que é
um romance muito extenso e que
quando estava terminando fui reler o começo e não gostei. Reescrevi tudo." Reescrever, mais do
que escrever, é para Lobo Antunes a medula literária.
"Difícil não é escrever, é corrigir. Quando você faz uma primeira versão, você sente as coisas de
uma maneira muito intensa. Depois, quando vai ler a frio, nota
que há uma grande distância entre a intensidade e a emoção inicial e os resultados que ficam no
papel. Então começa o trabalho
de diminuir essa distância."
A atividade de apartar a gordura
das palavras, de "cortar até o osso", Lobo Antunes faz ao ritmo de
seu poeta predileto na língua portuguesa. Alguém aí falou Fernando Pessoa? Errado. É o nosso João
Cabral de Melo Neto quem ele
evoca: ""Falo somente com o que
falo: com as mesmas 20 palavras/
girando em torno do sol que as
limpa do que não é faca".
Fernando Pessoa seria coisa de
Saramago, autor de "O Ano da
Morte de Ricardo Reis", seu
maior desafeto. Sua opinião sobre
Saramago? "É um pobre inútil.
Existem muitos escritores que são
propagandistas de si mesmos", já
disse Antunes, inclusive atacando
o oportunismo do antagonista de
publicar um romance sobre o heterônimo de Pessoa no ano do
centenário do poeta.
Há quem diga que por trás da
acidez de Lobo Antunes há apenas as cinco letras que formam a
palavra Nobel, prêmio que ele esteve próximo de ganhar. Um dos
grandes críticos literários atuais,
George Steiner reabriu a ferida
em palestra recente em Lisboa.
Diante do próprio Saramago,
que assistia a conferência, o crítico franco-americano chamou Lobo Antunes de "romancista esmagador" e disse que se tivesse feito
parte do comitê Nobel teria defendido a partilha do prêmio entre Saramago e Lobo Antunes.
""Diria a Saramago: não se zangue, vamos dar aos dois", diz.
Relacionar um ao outro é difícil.
Tarefa para catedrática, a professora catedrática da Universidade
de Lisboa Maria Alzira Seixo, que
acaba de lançar em Portugal o livro de ensaios "Os Romances de
António Lobo Antunes".
Em entrevista à Folha, por e-mail, ela compara. "São muitíssimo diferentes. Saramago tem um
investimento alegórico e comunitário que claramente domina a
sua ficção. Lobo Antunes, com
uma marca estilística que respeita
de modo dominante a escrita e a
forma como o indivíduo nela dramaticamente se afeiçoa para o
texto e para a vida."
De fato, tudo o que Saramago
investe na alegoria, Lobo Antunes
buscas nas palavras. "Para mim,
muitas vezes a intriga não é mais
do que o prego no qual se penduram os quadros", diz o escritor.
Citando Clarice Lispector, que admira como escritora como admirou como amiga, ele diz: "As palavras são apenas anzóis, para apanhar o que está nas entrelinhas".
E essas entrelinhas, segundo a
professora Seixo, são as seguintes.
"O essencial se concentra no modo como seus personagens exprimem a sua vivência do cotidiano,
que é majoritariamente invadida
pela evocação do passado e da infância, mas também tingida pelos
sonhos que se projetam no futuro, pelas fantasias que há lugar para querer viver."
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