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Português desmonta mito nacional
DA REPORTAGEM LOCAL
Entre os versos de "Os Lusíadas" e os de "Mensagem", Helder
Macedo prefere os primeiros. Não
que rejeite a figura ilustre de seu
também conterrâneo Fernando
Pessoa, mas é mais na direção do
épico de Camões que se inclina
"Vícios e Virtudes", seu mais recente romance a sair no Brasil.
Trata-se aqui de posicionar a
trama de "Vícios e Virtudes" com
relação a um dos maiores mitos
nacionais de Portugal: o sebastianismo -a crença de que o rei
dom Sebastião, morto no norte da
África em cruzada contra os mouros, voltará das brumas marinhas.
É à empresa final do monarca
que "Os Lusíadas" está dedicado.
E é sua figura que se ergue, gloriosa, em "Mensagem". Um é realista; o outro, místico. Esta é uma
pista para entender o ponto de
vista do romance de Macedo.
"O que eu procuro fazer é desmontar totalmente a idéia do sebastianismo. Não é um romance
nem sequer anti-sebastianista, é
simplesmente recusa do sebastianismo como qualquer coisa de
minimamente relevante", metralha Macedo, 66, em entrevista à
Folha, durante passagem pelo
Brasil para lançar o livro.
Por trás dessa aparente birra
contra um mito frequentemente
tido como fundante da identidade
nacional portuguesa, a trama do
romance tem uma bandeira mais
elevada: questionar a imposição
de qualquer identidade -seja a
uma pessoa ou a um país.
Macedo se serve, para tanto, da
misteriosa Joana, centro da trama
de "Vícios e Virtudes".
Essa mulher, que parece não ter
idade -numa sugestão de que
poderia ser uma passageira com
livre trânsito pelos séculos-, intriga dois escritores amigos, um
deles o narrador do romance.
Seduzidos pela possibilidade de
que ela seja a mãe de dom Sebastião, dona Joana, rediviva, os dois
querem transformá-la em personagem de livros seus.
"O livro é fundamentalmente
sobre uma pessoa que se recusa a
aceitar identidades impostas. Na
nossa sociedade ocidental cristã,
quem tem tido identidades (sociais, sexuais etc.) impostas é a
mulher. Como tal, a personagem
tinha de ser feminina."
Joana é uma jogadora; como
exímia apreciadora do carteado,
se esmera no blefe. A trama se arma a partir de mensagens dúbias
da moça aos seus dois escritores.
Ao longo do livro, não só os escritores personagens como o próprio leitor se perdem entre o que é
ou não parte real da vida de Joana.
Com o livro, além de fazer justiça às mulheres ("Eu acho que seria uma grande pena se o feminismo só pertencesse às mulheres,
não é?"), Macedo espera confrontar não só a tal "identidade" de
seu país mas também a idéia de
que possa existir qualquer identidade nacional.
"Você sabe que, no caso de Portugal, há a idéia do sebastianismo,
mas outros países têm outras
idéias sobre si próprios. Os ingleses têm os seus mitos próprios,
suas falsas identidades que projetam -sei lá, o sangue frio inglês,
essas coisas. Bom, e eles são tão
malcriados como nós, não é?", defende o autor.
Alguns dados da biografia de
Macedo surgem no enredo de
"Vícios e Virtudes", concentrados
no narrador ("o escritor menos
parvo", define) -como o fato de,
igual a seu personagem, ele ser
professor em Londres (radicado
há muitos anos na Inglaterra, o
autor leciona no King's College).
A apropriação de sua própria figura e a opção por personagens
escritores legitimam a idéia de
que "Vícios e Virtudes" fala também do ofício de escritor -o
qual, afinal, consiste em forjar
personalidades (ou identidades,
se preferir).
Macedo concorda: "É uma análise, uma exemplificação romanesca do próprio processo de
criação do romance, porque eu
acho que todos os escritores -eu,
certamente- concebem personagens, concebem pessoas".
Em seguida, o escritor reitera
outra crença difundida sobre a
criação literária: os personagens
adquirem vida própria. "A Joana
é inventada. Não é ninguém que
eu conheça. No entanto ela adquire no contexto do romance uma
realidade própria", diz Macedo.
"Foi isso que eu quis mostrar e
que se manifestou na própria estrutura do romance, que avança,
recua, vai para um lado, vai para o
outro lado, porque ela, a personagem, está dando informações que
podem ser falsas e que podem ser
verdadeiras e, às vezes, são as
duas coisas ao mesmo tempo."
(FRANCESCA ANGIOLILLO)
VÍCIOS E VIRTUDES - De: Helder
Macedo. Editora: Record (tel. 0/xx/21/
2585-2000, www.record.com.br).
Primeira edição. 224 págs. R$ 30.
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