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"O PROFETA TRICOLOR"
Obra reúne crônicas sobre o time das Laranjeiras, que celebrou 100 anos no mês passado
Nelson Rodrigues recria o Fluminense
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
S aiu um livro de Nelson Rodrigues, desta vez com crônicas sobre o Fluminense. Chama-se "O Profeta Tricolor".
E eu, caro leitor e caríssima leitora, vos pergunto: "Um livro de
Nelson Rodrigues deve ser comentado nas páginas da Ilustrada ou nas de Esporte?". Pois eu
vos respondo: "Nas da Ilustrada".
É que suas crônicas, mais do
que considerações sobre o futebol, são exercícios de ficção. Para
quem discorda, é só dar uma
olhada no "Aurélio". Está lá: "Ficção: coisa imaginária, fantasia, invenção, criação". E é isso que são
as crônicas.
Nelson Rodrigues usava os jogos de futebol como mote para
suas criações literárias. Assim pariu personagens míticos como o
Gravatinha, o Sobrenatural de Almeida e o Profeta. E, quando a
realidade não o contentava, ele a
reinventava. Foi desta forma que
transformou Denilson em craque
de seleção (não o atacante do Betis, mas um modesto zagueiro da
década de 60), jogos feios em batalhas espartanas, times medianos em exércitos imbatíveis, o
Fluminense no maior clube do
Brasil, ou melhor, do mundo, ou
melhor ainda, do universo.
São textos de um escritor e não
de um analista. Ele não fala jamais
de táticas ou esquemas. Seu tema
são as paixões, as vitórias e derrotas pessoais, as tragédias, as sinas.
Nelson Rodrigues mostrava algo
além de como foi a partida. Mostrava sua estrutura épica, suas
qualidades dramáticas. Para ele
tudo era obra de um destino escrito "6.000 anos atrás" e sempre havia "lágrimas de esguicho", fossem de alegria ou tristeza. Como
ele mesmo dizia: "Ai daquele que
não consegue ser jamais ridículo". Não é à toa que é o nosso melhor cronista esportivo de todos
os tempos.
Este livro, organizado por Nelson Rodrigues Filho, tem algumas
diferenças em relação às coletâneas anteriores publicadas pela
Companhia das Letras e organizadas por Ruy Castro. Sua seleção
traz apenas, ou quase apenas, crônicas relativas ao Fluminense. Ou
seja, aqui não estão as melhores
crônicas de Nelson, mas as mais
apaixonadas. Nestes textos ele usa
ainda mais hipérboles, adjetivos e
metáforas do que seu leitor está
acostumado. Falando apenas de
seu time ele é ainda mais exagerado, ainda mais barroco.
Porém, há alguns senões. A seleção de textos poderia ser mais severa e a divisão em temas ("torcida e dirigentes", "jogadores e técnicos", "títulos e personagens")
acaba gerando uma leitura um
tanto cansativa, pois crônicas sobre um mesmo assunto acabam
ficando muito próximas. Além
disso alguns pés de página com
informações sobre as partidas e os
campeonatos citados poderiam
ser interessantes para que soubéssemos se Nelson Rodrigues errou
ou não em suas previsões.
Ou talvez não. Vai ver é como
ele mesmo diz: "Será que os imbecis não percebem o óbvio, isto é,
que um estilista só tem deveres literários?".
O Profeta Tricolor
Autor: Nelson Rodrigues
Lançamento: Companhia das Letras
Quanto: R$ 32 (256 págs.)
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