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"O CABREIRO TRESMALHADO"
Sertão de Ariano Suassuna é visto como súmula do mundo
XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL
Um espetáculo de cabra,
esse paraibano que sentou
praça na freguesia do Poço da Panela, Recife, Pernambuco, onde
percorre da frente para trás e de
trás para a frente a "Guerra e Paz"
de Tolstói. Perdeu a conta de
quantas vezes leu. Também ama
Cervantes, Lorca e não viveria
sem Calderón de la Barca.
A vida é sonho, como bodeja este último, e isto é Ariano Suassuna, 75. Teimoso que só ele, universal que às vezes se zanga em
pendengas da aldeia como um
doido barrido.
Igualmente ama o cordelista
Leandro Gomes de Barros, do
qual tirou ("sampleou", diria um
desses jovens pop rechaçados pelo cavaleiro da "Pedra do Reino")
a graça da consagrada peça "Auto
da Compadecida".
Todos esses mundos e couraças
do paraibano é o que tentou abarcar Maria Aparecida Lopes Nogueira no seu "Ariano Suassuna
-O Cabreiro Tresmalhado", tese
de doutorado da PUC paulista,
ano 2000, que agora é livro.
Uma peleja decifrar os sertões
desse filho da aristocracia rural
que se fez monarquista de esquerda, socialista sem bater continência para Marx, e definiu o Brasil de
cima e o Brasil de baixo (simbologia patenteada pelo poeta Patativa
do Assaré) a partir dos sermões
de Antônio Conselheiro. A vida é
sebastianismo?
A autora anuncia os enigmas a
enfrentar logo na epígrafe de pedra de João Cabral de Melo Neto:
"Um núcleo de cabra é visível/por
debaixo de muitas coisas./Com a
natureza da cabra/outras aprendem suas crosta".
O sertão como súmula do mundo, Ariano Suassuna como tangedor à Pessoa (a vida é o reino encoberto de dom Sebastião sim!)
de todos os bodes míticos. Numa
terra de ceuzão azul a encandear
estrangeiros, o autor de "O Santo
e a Porca" conversa ao pé da cerca
do latifúndio com o cinema de
Glauber Rocha, o único que enxergou as contradições nordestinas sem o folclorismo que os moços publicitários do cinema do
Sudeste tentam ver.
Até o exibicionismo como fonte
natural de revigoramento de
Suassuna, a autora de "O Cabreiro Tresmalhado" abarcou. Aluno
do homem -disciplina Estética- na Universidade Federal de
Pernambuco, este repórter ouvia
um vaidoso assumido se manifestar sem frescuras.
E sempre amparado, como registra Maria Aparecida, no ensaio
"Reflexões sobre a Vaidade dos
Homens", do filósofo paulista
Matias Aires -hoje conhecido
em São Paulo apenas como nome
da rua do "Sujinho", restaurante
famoso por suas bistecas nas cercanias da Consolação-, a quem
admira e é propagador.
O livro também trata da peleja
ranzinza de Suassuna -que diz
gostar de jazz negro- contra o
rock'n'roll, o tropicalismo, a bossa nova e o mangue beat, assuntos
para os quais nunca teve paciência e muito menos ironia -a vida
que é sonho não pode ficar presa
no cercado armorial.
Secretário de Cultura do governo Arraes (PE), nos anos 90, sugeriu que Chico Science, por exemplo, mudasse o nome para Chico
Ciência. O velho e falso dilema do
regional versus universal, como
alertou Gilberto Freyre.
E como provou em disco "Totonho & Os Cabra", que embolam
Suassuna e o "drum & bass na feira". Sem pestanejar.
Ariano Suassuna - O Cabreiro Tresmalhado
Autora: Maria Aparecida Lopes
Nogueira
Editora: Palas Athena
Quanto: R$ 30 (290 págs.)
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