São Paulo, sábado, 03 de agosto de 2002

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"O CABREIRO TRESMALHADO"

Sertão de Ariano Suassuna é visto como súmula do mundo

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Um espetáculo de cabra, esse paraibano que sentou praça na freguesia do Poço da Panela, Recife, Pernambuco, onde percorre da frente para trás e de trás para a frente a "Guerra e Paz" de Tolstói. Perdeu a conta de quantas vezes leu. Também ama Cervantes, Lorca e não viveria sem Calderón de la Barca.
A vida é sonho, como bodeja este último, e isto é Ariano Suassuna, 75. Teimoso que só ele, universal que às vezes se zanga em pendengas da aldeia como um doido barrido.
Igualmente ama o cordelista Leandro Gomes de Barros, do qual tirou ("sampleou", diria um desses jovens pop rechaçados pelo cavaleiro da "Pedra do Reino") a graça da consagrada peça "Auto da Compadecida".
Todos esses mundos e couraças do paraibano é o que tentou abarcar Maria Aparecida Lopes Nogueira no seu "Ariano Suassuna -O Cabreiro Tresmalhado", tese de doutorado da PUC paulista, ano 2000, que agora é livro.
Uma peleja decifrar os sertões desse filho da aristocracia rural que se fez monarquista de esquerda, socialista sem bater continência para Marx, e definiu o Brasil de cima e o Brasil de baixo (simbologia patenteada pelo poeta Patativa do Assaré) a partir dos sermões de Antônio Conselheiro. A vida é sebastianismo?
A autora anuncia os enigmas a enfrentar logo na epígrafe de pedra de João Cabral de Melo Neto: "Um núcleo de cabra é visível/por debaixo de muitas coisas./Com a natureza da cabra/outras aprendem suas crosta".
O sertão como súmula do mundo, Ariano Suassuna como tangedor à Pessoa (a vida é o reino encoberto de dom Sebastião sim!) de todos os bodes míticos. Numa terra de ceuzão azul a encandear estrangeiros, o autor de "O Santo e a Porca" conversa ao pé da cerca do latifúndio com o cinema de Glauber Rocha, o único que enxergou as contradições nordestinas sem o folclorismo que os moços publicitários do cinema do Sudeste tentam ver.
Até o exibicionismo como fonte natural de revigoramento de Suassuna, a autora de "O Cabreiro Tresmalhado" abarcou. Aluno do homem -disciplina Estética- na Universidade Federal de Pernambuco, este repórter ouvia um vaidoso assumido se manifestar sem frescuras.
E sempre amparado, como registra Maria Aparecida, no ensaio "Reflexões sobre a Vaidade dos Homens", do filósofo paulista Matias Aires -hoje conhecido em São Paulo apenas como nome da rua do "Sujinho", restaurante famoso por suas bistecas nas cercanias da Consolação-, a quem admira e é propagador.
O livro também trata da peleja ranzinza de Suassuna -que diz gostar de jazz negro- contra o rock'n'roll, o tropicalismo, a bossa nova e o mangue beat, assuntos para os quais nunca teve paciência e muito menos ironia -a vida que é sonho não pode ficar presa no cercado armorial.
Secretário de Cultura do governo Arraes (PE), nos anos 90, sugeriu que Chico Science, por exemplo, mudasse o nome para Chico Ciência. O velho e falso dilema do regional versus universal, como alertou Gilberto Freyre.
E como provou em disco "Totonho & Os Cabra", que embolam Suassuna e o "drum & bass na feira". Sem pestanejar.


Ariano Suassuna - O Cabreiro Tresmalhado
   
Autora: Maria Aparecida Lopes Nogueira
Editora: Palas Athena
Quanto: R$ 30 (290 págs.)



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