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"O QUE É SER RIO, E CORRER?"
Guzik focaliza sinfonia de metrópole
CRÍTICO DA FOLHA
Ao contrário do que afirmou Silviano Santiago em
recente artigo no Mais!, os escritores brasileiros estão atentos sim
para "os problemas dominantes
na classe média". Um bom exemplo disso é o primeiro livro de
contos do jornalista Alberto Guzik, "O Que É Ser Rio, e Correr?".
A cena quase toda se passa em
São Paulo, com grande profusão
de paisagens urbanas, como a
avenida Consolação e uma periferia não nomeada. A cidade emerge do livro como metrópole caótica e fervilhante, onde a disparidade social é tão flagrante quanto
uma camada de poluição.
Nesse espaço transitam os personagens de Guzik: um ator de filme pornô, um artista plástico
drogado, uma empregada doméstica, entre outros. Há a impressão de que o escritor procurou abarcar uma grande gama de
figuras, da baixa à alta burguesia,
em busca de um painel tão amplo
quanto o da Dublin de James Joyce em "Os Dublinenses".
Mas há outro fator a alinhar os
personagens e situações: a conjugação entre ignorância e deslumbramento. Nos sete contos do livro, os personagens se deparam
com objetos que lhes são desconhecidos e que exercem sobre eles
fascinação e repulsa. Em geral, o
objeto é um produto artístico
-um livro, um filme-, mas
nem sempre.
Provocados por esses objetos
desconhecidos, os personagens
sofrem uma espécie de deslumbramento. O título, retirado de
um poema de Fernando Pessoa,
sugere o fenômeno. O olhar é o
instrumento com o qual o discernimento se torna possível, mas é
também o responsável por levar o
objeto para dentro do sujeito, fazendo-o esquecer-se de si mesmo.
Objeto e sujeito se confundem.
Os sujeitos de "O Que É Ser
Rio..." sentem-se provocados pelos objetos observados porque
vêem-se refletidos neles. Os Tyrones de "Longa Jornada Noite
Adentro", de O'Neill, fazem o crítico de teatro lembrar-se da própria família, por exemplo.
A distorção especular é ainda
maior no primeiro conto, "Adonias". O personagem-título é um
galã pornô preconceituoso e truculento. Vai ver "Hamlet" de Lawrence Olivier por sugestão de
um solícito iluminador. De início
entediado, deixa-se aos poucos
prender pela fita. O ator inglês
provoca-lhe o desejo, a ponto de a
frase "ser ou não ser" atingir tonalidade gay. No set, maltrata a atriz
pornô como Hamlet maltratou
Ofélia. Depois, arremedando o
príncipe da Dinamarca, a manda
ir para o convento. Seu destino
também se tinge de sangue.
Se, num nível mais profundo, a
narrativa se sustenta até por conta
desses jogos metonímicos, Guzik
toma algumas decisões pouco felizes. Adonias, por exemplo,
quando pequeno, fora apanhado
praticando felação no filho do
pastor. Como explicação para seu
ódio por homossexuais, o trecho
se revela bastante reducionista.
Também nos causa surpresa, sendo o autor um jornalista especializado em teatro, e portanto acostumado com a fala dramática, que
os diálogos às vezes se mostrem
um tanto frouxos, carentes de rigor, ritmo e concisão. Nada que
perturbe em excesso, porém, essa
multifacetada sinfonia paulistana,
capturada pelas lentes da arte, do
deslumbramento e do desejo.
(MARCELO PEN)
O Que É Ser Rio, e Correr?
Autor: Alberto Guzik
Organizadora: Iluminuras
Quanto: R$ 33 (208 págs.)
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