São Paulo, sábado, 03 de agosto de 2002

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"SETE MINUTOS"

Fagundes declara amor pelo teatro

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Em 92 , na turnê pelo Brasil da montagem de "Macbeth" por Ulisses Cruz, havia um culto por silêncio e pontualidade. Na coxia, todos ficavam imóveis durante o monólogo sobre existência: "A vida é cheia de som e de fúria". É porque o ator que se expunha se chamava Antônio Fagundes. E, se houvesse som, haveria fúria.
Há muitas histórias a se contar. Como toda temporada da peça maldita escocesa, houve fantasma, dois incêndios, uma queda de refletor. Mas -e esse é o folclore pessoal de Fagundes- a peça começava infalivelmente no horário, mesmo com a platéia ainda enfumaçada do incêndio recém-debelado, mesmo com uma chuva torrencial alagando São Paulo. Quem chega atrasado não entra: em "Macbeth", duas vezes o público furioso chamou a polícia, pelo direito de estar atrasado.
Disso fala "Sete Minutos", texto que Fagundes escreveu para entender a si mesmo, sua trajetória de 37 anos em briga quixotesca pelo respeito ao ritual da representação: uma declaração de amor ao teatro. E ele ganha a platéia logo nos primeiros instantes. Macbeth, mais frágil após dez anos, mas sem ter recuado em um centímetro em suas convicções, enfrenta com coragem a tosse na platéia, mas acaba jogando a toalha e abandona a cena.
A peça continua nos camarins, onde vemos o heroísmo da "cozinha" do teatro, a briga pela sobrevivência econômica, o desalento pela má educação do público. Com o teatro cercado pela polícia, recebe o representante do público expulso (Tácito Rocha, pungente) uma evangélica representando os atrasados (a vigorosa Neusa Maria Faro) e um tenente que tenta entender o caso (o impagável Luiz Amorim). O público se reconhece em cena e ri, cumprindo-se assim a função pedagógica do teatro.
Mas "Sete Minutos" não tem o vigor que poderia ter. Só enfrenta a platéia em breves momentos pirandellianos, saindo do personagem para atender um telefone na platéia, ou para, no discurso "do autor", tentar explicar em nome de que insiste no estrito cumprimento do ritual teatral. São esses os melhores momentos. Infelizmente, a direção dá toda a ênfase para o que há de mais antigo em seu texto: a devassa da coxia acaba redundando em sucessão de solos, no modelo de "Deus lhe pague", que foi superado após o Teatro Brasileiro de Comédia.
Mas isso já não importa muito quando, na última cena, Fagundes olha no olho do público e confessa sua esperança de que pelo menos um se contagie por seu amor ao teatro. Foi assim quando, há dez anos, censurou um contra-regras desajeitado: "Você não teve a intenção de errar? Esse é o erro: é sempre preciso ter intenção". E é essa a última história sobre Fagundes: quis o acaso que fosse esse contra-regras o encarregado de escrever a presente crítica.


Sete Minutos
   
Direção: Bibi Ferreira
Onde: Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 0/xx/11/3258-3344)
Quando: qui. a sáb., às 21h; dom., às 18h
Quanto: de R$ 30 a R$ 70



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