São Paulo, segunda, 3 de agosto de 1998

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ANÁLISE Diretor celebra pessoa comum


de Nova York

Imagine se Tizuka Yamasaki tivesse prescindindo da ficção para rodar "Gaijin, Caminhos da Liberdade" (1979). Ou pense no que seriam as versões em documentário de relatos memorialísticos da imigração, como "Negócios e Ócios", de Bóris Fausto; "Relato de um Certo Oriente", de Milton Hatoun; "Resumo de Ana", de Modesto Carone ou as "Histórias de Avô e Avó", que Arthur Nestrosvki lança neste mês.
É este o universo de Alan Berliner. Seus filmes são tecidos com registros caseiros, fotos familiares, trechos de documentários, sons do cotidiano. Seus personagens são pessoas comuns. Suas histórias celebram a extraordinária saga do homem das ruas.
Na trilogia formada por "Álbum de Família" (Family Album, 1987), "Íntimo Estranho" (Intimate Stranger, 1992) e "Não é da Conta de Ninguém" (Nobody's Business, 1996), a complexidade fílmica cresce como a intimidade dos personagens.
Em "Álbum de Família", ele organiza trechos de 70 filmes caseiros anônimos. A estrutura procura revelar o ciclo de vida numa casa americana da época do material filmado (1920-50), do berço à carteira escolar, do altar ao túmulo.
Seu passo seguinte é ir além desse engenhoso filme de montagem. Em "Íntimo Estranho", mobiliza a técnica de colagem na reconstituição da vida seu avô materno, Joseph Cassuto.
Berliner assalta o baú de imagens e sons da própria família. Dá um passo além da pesquisa em arquivos: entrevista gente de sua família (pai, mãe, tios) e conhecidos do avô. Os depoimentos são utilizados em "off", sem as imagens correspondentes. Berliner sobe um degrau por vez.
Judeu nascido na ainda Palestina, Cassuto cresceu em Alexandria, Egito. Sua associação com uma firma japonesa ligada ao comércio têxtil foi o divisor de águas de sua vida.
Apaixonado pela cultura nipônica, Cassuto sofre com a Segunda Guerra. Seus patrões tornam-se os inimigos da hora. O crescimento do antisemitismo obrigou-o a procurar uma nova vida com a família nos EUA.
Cassuto jamais se adaptaria à pacata vida no Brooklyn novaiorquino. Finda a guerra, deixou a família instalada e foi ao Japão retomar seu emprego. Ao ajudar à retomada da indústria têxtil combalida pela guerra, Cassuto vira um herói em Tóquio. Mas em casa, para onde volta apenas um mês por ano, jamais seria compreendido.
"Íntimo" envolve, mas não se liberta de certa frieza. A temperatura sobe muito em "Não é da Conta de Ninguém". Alan pega finalmente na câmera para biografar seu próprio pai, Oscar, 79, contra a vontade deste. "Você está perdendo tempo. Minha vida é nada", diz ao filho no filme.
O misantropo e carrancudo Oscar parece saído das páginas de Neil Simon ou de um filme de Woody Allen. Alan vai pesquisar as origens de sua família na Polônia e recebe muxoxos frente às descobertas. Raras vezes em arte as arestas da relação pai-filho foram tão despudoramente exibidas. (AMIR LABAKI)


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