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Suspense em suspenso
Divulgação
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Cena de "A Vila", suspense de M. Night Shyamalan que trata da ligação entre lenda e realidade, com Adrien Brody e Sigourney Weaver |
O diretor indiano M. Night Shyamalan fala sobre "A Vila", filme que estréia hoje
FLORENCE COLOMBANI
DO "MONDE"
Uma pequena comunidade vive
em estado de terror por causa de
monstros que vivem na floresta,
em "A Vila". Em entrevista ao "Le
Monde", o diretor M. Night Shyamalan explica por que acha seu
novo filme "quase otimista".
Pergunta - Em ""A Vila", uma pequena comunidade vive voltada
sobre si mesma, dominada pelo
medo constante dos monstros que
se ocultam na floresta. A dupla leitura do filme, psicanalítica e política, foi sua intenção desde o início?
M. Night Shyamalan - Sem dúvida. Se eu sinto que uma história
vai ao encontro dos ecos profundos do inconsciente coletivo, que
ela terá ressonância com nossa
época, eu a exploro, pois isso significa que é uma boa história. O
suspense gratuito não me interessa. Veja, por exemplo, a grande
cena da corrida e perseguição em
"A Vila". Ela não está lá apenas
para o espectador viver uma peripécia angustiante a mais, do tipo
que atrai o público adolescente. O
filme conta que, para sobreviver, é
preciso atravessar o inferno, enfrentar a parte sombria e destrutiva que existe dentro de cada um
de nós. Se eu velei pelo suspense
dessa cena, foi porque ela é profundamente necessária para que o
filme faça sentido.
Pergunta - "A Vila" se distingue
de seus três filmes anteriores ("O
Sexto Sentido", "Corpo Fechado",
2000, e "Sinais") por seu pessimismo. Todos eles tratam com minúcias da construção de uma ficção,
ligada a personagens infantis, que
sentem a necessidade de conferir
sentido ao mundo que os cerca. Em
"A Vila", o medo da vida afeta também os adultos. Como você explica
esse pessimismo adicional?
Shyamalan - De fato, o papel dos
adultos, os fundadores da vila,
que fazem questão de viver longe
das grandes cidades, diferencia
"A Vila" de meus trabalhos anteriores. Fica claro que também
nós, adultos, podemos sentir essa
tentação de nos fecharmos em
nós mesmos. Às vezes eu mesmo
chego perto de nutrir essa idéia, já
que, na condição de pai, sou muito sensível ao clima de angústia
que caracteriza nossa época. "A
Vila" me permitiu exorcizar parcialmente essa tentação, que é
preciso combater. Ao meu ver, "A
Vila" é um filme positivo, quase
otimista, mas de maneira bizarra
e inesperada, graças à intervenção
de um forte elemento sobrenatural: o amor absoluto, muito puro,
que vem das crianças e que tem a
capacidade de salvar a vila. O filme trata a ligação entre lenda e
realidade como algo positivo. O
processo que conduz de uma a
outra é, para mim, de grande beleza, idêntico ao artístico.
Pergunta - De que maneira "A Vila", um filme de época, lhe permite
falar de nosso mundo?
Shyamalan - Sinto um afeto
grande pelo modo de vida do final
do século 19, aquele de "A Vila".
Em todo caso, não me sinto convencido por nosso modo de vida
contemporâneo e ocidental, que
exige sofisticação e distância, que
nos impede de exprimir nossos
sentimentos mais profundos e
nos separa da dimensão emocional da vida. Quando eu ia passar
férias na Índia, entre os 10 e 12
anos, meus primos me pareciam
de uma inocência inimaginável. A
pureza dessa maneira de viver,
sua intensidade, sua sinceridade,
me comovem. Em minha vida
pessoal, meu grande medo é me
tornar indiferente, frio.
Pergunta - "A Vila" também tem
uma forte dimensão literária.
Shyamalan - As pessoas freqüentemente me perguntam de onde
vêm minhas idéias. Elas vêm dos
livros. No caso de "A Vila", a inspiração direta foi "O Morro dos
Ventos Uivantes", que possui
uma escuridão romântica, uma
força emocional e inconsciente
com a qual sinto afinidade.
Tradução de Clara Allain
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