São Paulo, sexta-feira, 03 de setembro de 2004

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Suspense em suspenso

Divulgação
Cena de "A Vila", suspense de M. Night Shyamalan que trata da ligação entre lenda e realidade, com Adrien Brody e Sigourney Weaver


O diretor indiano M. Night Shyamalan fala sobre "A Vila", filme que estréia hoje

FLORENCE COLOMBANI
DO "MONDE"

Uma pequena comunidade vive em estado de terror por causa de monstros que vivem na floresta, em "A Vila". Em entrevista ao "Le Monde", o diretor M. Night Shyamalan explica por que acha seu novo filme "quase otimista".
 

Pergunta - Em ""A Vila", uma pequena comunidade vive voltada sobre si mesma, dominada pelo medo constante dos monstros que se ocultam na floresta. A dupla leitura do filme, psicanalítica e política, foi sua intenção desde o início?
M. Night Shyamalan -
Sem dúvida. Se eu sinto que uma história vai ao encontro dos ecos profundos do inconsciente coletivo, que ela terá ressonância com nossa época, eu a exploro, pois isso significa que é uma boa história. O suspense gratuito não me interessa. Veja, por exemplo, a grande cena da corrida e perseguição em "A Vila". Ela não está lá apenas para o espectador viver uma peripécia angustiante a mais, do tipo que atrai o público adolescente. O filme conta que, para sobreviver, é preciso atravessar o inferno, enfrentar a parte sombria e destrutiva que existe dentro de cada um de nós. Se eu velei pelo suspense dessa cena, foi porque ela é profundamente necessária para que o filme faça sentido.

Pergunta - "A Vila" se distingue de seus três filmes anteriores ("O Sexto Sentido", "Corpo Fechado", 2000, e "Sinais") por seu pessimismo. Todos eles tratam com minúcias da construção de uma ficção, ligada a personagens infantis, que sentem a necessidade de conferir sentido ao mundo que os cerca. Em "A Vila", o medo da vida afeta também os adultos. Como você explica esse pessimismo adicional?
Shyamalan -
De fato, o papel dos adultos, os fundadores da vila, que fazem questão de viver longe das grandes cidades, diferencia "A Vila" de meus trabalhos anteriores. Fica claro que também nós, adultos, podemos sentir essa tentação de nos fecharmos em nós mesmos. Às vezes eu mesmo chego perto de nutrir essa idéia, já que, na condição de pai, sou muito sensível ao clima de angústia que caracteriza nossa época. "A Vila" me permitiu exorcizar parcialmente essa tentação, que é preciso combater. Ao meu ver, "A Vila" é um filme positivo, quase otimista, mas de maneira bizarra e inesperada, graças à intervenção de um forte elemento sobrenatural: o amor absoluto, muito puro, que vem das crianças e que tem a capacidade de salvar a vila. O filme trata a ligação entre lenda e realidade como algo positivo. O processo que conduz de uma a outra é, para mim, de grande beleza, idêntico ao artístico.

Pergunta - De que maneira "A Vila", um filme de época, lhe permite falar de nosso mundo?
Shyamalan -
Sinto um afeto grande pelo modo de vida do final do século 19, aquele de "A Vila". Em todo caso, não me sinto convencido por nosso modo de vida contemporâneo e ocidental, que exige sofisticação e distância, que nos impede de exprimir nossos sentimentos mais profundos e nos separa da dimensão emocional da vida. Quando eu ia passar férias na Índia, entre os 10 e 12 anos, meus primos me pareciam de uma inocência inimaginável. A pureza dessa maneira de viver, sua intensidade, sua sinceridade, me comovem. Em minha vida pessoal, meu grande medo é me tornar indiferente, frio.

Pergunta - "A Vila" também tem uma forte dimensão literária.
Shyamalan -
As pessoas freqüentemente me perguntam de onde vêm minhas idéias. Elas vêm dos livros. No caso de "A Vila", a inspiração direta foi "O Morro dos Ventos Uivantes", que possui uma escuridão romântica, uma força emocional e inconsciente com a qual sinto afinidade.


Tradução de Clara Allain


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