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"A VILA"
M. Night Shyamalan repete "obsessões" em novo longa e faz referência crítica à atual situação de temor dos EUA
Filme é metáfora do medo oficial da Era Bush
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
A melhor maneira de não
compreender e menosprezar
"A Vila", que estréia hoje no Brasil, é menosprezar a alegoria que o
filme faz da Era Bush. O clima de
medo instalado oficialmente e alimentado pela Casa Branca nos
Estados Unidos depois dos ataques de 11 de Setembro de 2001 é o
cerne do sexto longa de M. Night
Shyamalan, um dos mais interessantes diretores em atividade, autor da imbatível trilogia sobrenatural-com-um-twist-no-final formada por "Sinais" (Signs, 2002),
"Corpo Fechado" (Unbreakable,
2000) e "O Sexto Sentido" (The
Sixth Sense, 1999).
Aos 34 anos, o indiano criado na
Filadélfia Manoj Nelliyattu Shyamalan (seu nome verdadeiro) é o
mais próximo que a nova geração
de cineastas norte-americanos
conseguiu chegar de Alfred
Hitchcock, de quem o diretor é fã
confesso e a quem homenageia ao
dar sempre um jeito de aparecer
em pequenas cenas, como fazia o
genial e roliço condutor britânico.
Outras pequenas obsessões
também ajudam a legitimar a aura de "peculiar" que Shyamalan
cultiva: todos os seus filmes trazem cenas-chave em porões; há
sempre uma referência à Filadélfia; etc. etc (há uma lista cheia delas no IMDb; www.imdb.com).
Em "A Vila", uma comunidade
aparentemente do século 19 vive
em paz e harmonia, guiada por
um conselho de anciãos e isolada
do resto do mundo por uma floresta, onde viveriam estranhos seres, os "cujo-nome-não-se-menciona". Há um pacto de não-agressão entre estes e os habitantes: um não invade o espaço do
outro, os humanos usam cor
amarela como forma de proteção
e o vermelho está banido da cidade, por ser a cor dos monstros.
O equilíbrio entre o natural
(ainda que cercado) e o sobrenatural é quebrado pelo destemor e
amor de um jovem, Lucius Hunt
(Joaquin Phoenix, excelente). Iluminista como o trocadilho bilíngüe que seu próprio nome sugere
(caçador de luz), ele não teme os
monstros e se oferece para desbravar a floresta, o que lhe é sempre negado pelo líder local, Edward Walker (William Hurt).
Lucius provocará a situação que
todos querem evitar e que responde pela virada final do filme,
ao assumir a paixão pela filha do
líder, a deficiente visual Ivy Walker (Bryce Dallas Howard, cuja
beleza deveria ser proibida, filha
do diretor Ron Howard, muito
bem em seu primeiro grande papel). Mais não dá para falar sem
estragar a surpresa, como pedia
um impresso distribuído aos jornalistas na saída das exibições para a imprensa.
Como em outros filmes de
Shyamalan, "A Vila" tem um
pouco de tudo, num pastiche de
qualidade. A floresta vem diretamente de "A Bruxa de Blair"; algumas cenas lembram a fábula de
Chapeuzinho Vermelho; o nome
dos "monstros" recorda o do arquivilão da série Harry Potter; a
idéia do lugar, perfeito ou não,
isolado do mundo exterior tem
toques que vão de "A Utopia", de
Thomas Morus, à Ilha da Fantasia
de Mr. Roarke e Tattoo.
Mas é de Tom Ridge, o secretário de Segurança Interna e um dos
membros do núcleo duro do governo Bush, que vem a principal
inspiração. O ex-governador da
mesma Pensilvânia em que Shyamalan mora criou o tal código de
cores, que vai do azul (tudo bem)
ao vermelho (o horror, o horror) e
simboliza a situação de alerta dos
EUA quanto à possibilidade de
ataques terroristas -neste minuto, o estado das coisas é "laranja",
ou "elevado".
A tal Vila são os Estados Unidos, os "cujo-nome-não-se-menciona" somos nós, todo o resto,
especialmente os de pele mais
acinzentada, olhos de amêndoa e
nomes impronunciáveis. O problema é que a luz (ou os Lucius, as
pontes entre dois mundos aparentemente em distanciamento
pós-choque) é cada vez mais escassa.
A Vila
The Village
Direção: M. Night Shyamalan
Produção: EUA, 2004
Com: Joaquin Phoenix, William Hurt
Quando: a partir de hoje nos cines HSBC
Belas Artes/Sala Cândido Portinari,
Market Place Cinemark e circuito
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