São Paulo, domingo, 03 de setembro de 2006

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"Surfistinha é Paulo Coelho do sexo"

Para especialista, mago e ex-prostituta fazem literatura de auto-ajuda; enquanto ele banaliza o misticismo, ela, o erotismo

Psicanalista afirma que prostituição seduz leitores porque é uma forma de poder e hoje o "comércio" de afetos é generalizado


Divulgação/Editora Planeta
A espanhola Alejandra Duque, autora de "A Agenda de Virgínia"


DA REPORTAGEM LOCAL

Não é só o sucesso de vendas que pode aproximar Bruna Surfistinha de Paulo Coelho.
Nos dois casos, temos auto-ajuda, na opinião de Eliane Robert Moraes, professora de estética e literatura da PUC e autora de "Lições de Sade - Ensaios sobre a Imaginação Libertina" (editora Iluminuras).
"O livro de Bruna Surfistinha e seus similares não são eróticos, porque a literatura erótica mobiliza a fantasia, o que não ocorre com esses diários das ex-prostitutas. Esses livros são moralistas, não têm nada de transgressão, reafirmam os lugares sociais. O fato de todas deixarem a prostituição segue o modelo da auto-ajuda, de Paulo Coelho, do herói que passa pelas provas e que no final é recompensado", avalia Moraes.
Para ela, enquanto Paulo Coelho é a "banalização do misticismo", Surfistinha e cia. são do erotismo. "O misticismo de Paulo Coelho e o erotismo de Surfistinha são "light", perdem o que é mais importante: a capacidade de perturbar lugares sociais, de transcender. Ao contrário, são normalizadores, reafirmam os lugares sociais."
O sucesso de vendas dos diários de ex-garotas de programa, avalia, está ligado "à demanda de voyeurismo da sociedade". "E, no fundo, esses livros atendem a uma sociedade que deve estar com sua sexualidade muito reprimida, não obstante o sexo e o erotismo presentes no horário nobre da televisão."
Sobre o fascínio despertado por esses livros, o psicanalista Chaim Samuel Katz, membro da Formação Freudiana e doutor em comunicação pela UFRJ, afirma: "A prostituição tem um lado fascinante, sedutor, que é tomar conta e dirigir os desejos dos atos sexuais".
Ele acredita haver semelhanças entre a prostituição e o "comércio" de afetos a que muitos estão submetidos hoje em dia: "Talvez possamos tirar algumas ilações se tomarmos o que se chama de "azarações" contemporâneas. São grupos -especialmente de mais jovens- que se encontram em lugares determinados ("points') e fazem concursos de "quem fica mais". O pagamento é em acréscimo de poder", avalia.

Dupla personalidade
Joel Birman, professor do Instituto de Psicologia da UFRJ, avalia que esses diários são utilizados pelas autoras para "matar" o lado da prostituta. "É como se fosse um enterro. A própria escrita deve servir como ritual de purificação. Tem peso simbólico de retomada de sua "verdadeira" condição."
Tanto em "O Doce Veneno", de Bruna Surfistinha, como em "O Diário de Marise" e "A Agenda de Virgínia", as autoras se dividem em duas personalidade, com nomes reais e "de guerra". Birmam diz que isso faz parte "do reconhecimento da condição da prostituta na sociedade". "É uma figura muito vilipendiada."
(RAFAEL CARIELLO E LAURA MATTOS)


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