São Paulo, segunda-feira, 03 de setembro de 2007

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NELSON ASCHER

Presente, passado, futuro


Como cada um pode estar seguro de que não pertence ao grupo dos ignorantes opinadores?

QUANTO CADA qual de nós sabe do que está acontecendo de importante no mundo: 85%, 10%, 0,75%? Para começar, o que é que conta como tal? Historiadores franceses gostam de subdividir sua disciplina entre a parte que cuida do relevante, isto é, alterações e mudanças que ocorrem ao longo de séculos ou milênios, e outra, que se ocupa de fatos "menores": a Revolução Russa, duas guerras mundiais etc. No que tange a nós, efêmeros ocupantes deste hotel terreno, tudo que nos determina a vida cabe, com espaço, na história menor.
Isso posto, de que nos adianta sabermos tal ou qual parcela do que está ocorrendo? Obras na minha rua, greves no metrô, a taxa de inflação, coisas assim afetam meu dia-a-dia. Mas que é que eu e demais concidadãos comuns temos a ver, por exemplo, com a Guerra do Iraque, a crise perpetuamente irresolúvel do Oriente Médio, os genocídios em Ruanda e Camboja, as decisões da ONU, da União Européia ou do Supremo Tribunal norte-americano? Por que não poderíamos relegar este rol e outros similares à história de "longa duração", a que se ocupa do que, embora mais importante, só nos diz respeito indiretamente?
A rigor, não sei. Condizentemente, o espaço que jornais e a mídia concedem a tais assuntos mal compete com aquele dedicado aos esportes. E o entendedor de vinhos reúne em torno de si mais gente em qualquer jantar do que o perito em fome na África. (Note-se: não estou reclamando, somente constatando.) O que se pode dizer com relativa segurança é que há pessoas que se interessam pelo tema mais do que outras e que, quanto menos informado é um interlocutor, maior a chance de que, insistindo em discorrer sobre o que não entende, ostente também mais certezas do que dúvidas.
São essas as pessoas que, curto-circuitando pilhas de dados e informações, recusam-se a aceitar as suspeitas "versões oficiais" que, de acordo com eles, convencem somente crédulos e tolos. Eles "sabem", digamos, que os atentados de 11 de Setembro foram perpetrados pelos próprios americanos. Eles se sentem igualmente à vontade para julgar como crime os bombardeios de Dresden ou Hiroxima (mas não a obliteração de Varsóvia). Em suma, eles "sabem" quem é que controla o mundo e o que é que estes querem. Entre os ignorante opinadores e os ignorantes assumidos, incomoda menos conversar com os últimos.
Mas como cada um de nós pode estar seguro de que, mesmo sem desejá-lo, não pertence ao grupo dos ignorantes opinadores? Esse dilema é a razão para a pergunta inicial, ou seja, quão bem precisamos dominar um assunto desses para não sermos considerados de todo ignorantes. Não há, é claro, como começar a responder a isto antes de se ter uma idéia do seguinte: quanto é possível saber sobre o assunto? Vejamos: o fim da URSS provou que a maioria dos "kremlinologistas" estava errada e a abertura de arquivos da KGB desmascarou não poucos como meros doutrinadores. O fenômeno se repetirá, cedo ou tarde, com Cuba. Mesmo em áreas menos passionais, há espaço para debates acalorados. Que dizer, então, das especulações acerca do presente e do futuro?
Aqui o mundo se divide entre os que têm acesso a fontes restritas e os que têm acesso só às abertas. Governantes e diplomatas, membros deste ou daquele serviço secreto ou organização terrorista pertencem ao primeiro grupo; nós, ao segundo. Aquele não é onisciente -longe disso- nem sabe tão mais do que os mortais. Quanto aos que dependem de fontes abertas, mesmo os que exauriram todas ignoram muito mais do que sabem. Talvez se pudesse dizer que, entre os leigos, os mais confiáveis são, por um lado, aqueles dispostos a reconhecer a dimensão do desconhecido e, por outro, os que freqüentam mais despreconcebidamente as fontes disponíveis, quer dizer, os que consultam tanto publicações de direita como de esquerda e ouvem tanto os amigos como os inimigos, sempre avaliando, comparando e cruzando as informações.
Pensando bem, eis a principal característica que diferencia estes céticos da categoria já mencionada, digna de inveja e mais numerosa, que reúne jornalistas e personagens midiáticos, militantes de ONGs variadas, professores universitários e, em geral, muitos entre os que aderem com paixão a causas avessas à dissidência. Eles sabem mais do que os que integram ambas as categorias acima porque seu conhecimento deriva não de princípios teóricos e investigação minuciosa, não da dúvida ou da curiosidade, mas, sim, de sua visão do porvir. Como o futuro é conhecido, tudo que resta ao presente (e ao passado) é adequar-se a ele.


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