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NELSON ASCHER
Presente, passado, futuro
Como cada um pode estar seguro de que não pertence ao grupo dos ignorantes opinadores?
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QUANTO CADA qual de nós sabe
do que está acontecendo de
importante no mundo: 85%,
10%, 0,75%? Para começar, o que é
que conta como tal? Historiadores
franceses gostam de subdividir sua
disciplina entre a parte que cuida do
relevante, isto é, alterações e mudanças que ocorrem ao longo de séculos ou milênios, e outra, que se
ocupa de fatos "menores": a Revolução Russa, duas guerras mundiais
etc. No que tange a nós, efêmeros
ocupantes deste hotel terreno, tudo
que nos determina a vida cabe, com
espaço, na história menor.
Isso posto, de que nos adianta sabermos tal ou qual parcela do que
está ocorrendo? Obras na minha
rua, greves no metrô, a taxa de inflação, coisas assim afetam meu dia-a-dia. Mas que é que eu e demais concidadãos comuns temos a ver, por
exemplo, com a Guerra do Iraque, a
crise perpetuamente irresolúvel do
Oriente Médio, os genocídios em
Ruanda e Camboja, as decisões da
ONU, da União Européia ou do Supremo Tribunal norte-americano?
Por que não poderíamos relegar este
rol e outros similares à história de
"longa duração", a que se ocupa do
que, embora mais importante, só
nos diz respeito indiretamente?
A rigor, não sei. Condizentemente, o espaço que jornais e a mídia
concedem a tais assuntos mal compete com aquele dedicado aos esportes. E o entendedor de vinhos reúne
em torno de si mais gente em qualquer jantar do que o perito em fome
na África. (Note-se: não estou reclamando, somente constatando.) O
que se pode dizer com relativa segurança é que há pessoas que se interessam pelo tema mais do que outras e que, quanto menos informado
é um interlocutor, maior a chance
de que, insistindo em discorrer sobre o que não entende, ostente também mais certezas do que dúvidas.
São essas as pessoas que, curto-circuitando pilhas de dados e informações, recusam-se a aceitar as suspeitas "versões oficiais" que, de
acordo com eles, convencem somente crédulos e tolos. Eles "sabem", digamos, que os atentados de
11 de Setembro foram perpetrados
pelos próprios americanos. Eles se
sentem igualmente à vontade para
julgar como crime os bombardeios
de Dresden ou Hiroxima (mas não a
obliteração de Varsóvia). Em suma,
eles "sabem" quem é que controla o
mundo e o que é que estes querem.
Entre os ignorante opinadores e os
ignorantes assumidos, incomoda
menos conversar com os últimos.
Mas como cada um de nós pode
estar seguro de que, mesmo sem desejá-lo, não pertence ao grupo dos
ignorantes opinadores? Esse dilema
é a razão para a pergunta inicial, ou
seja, quão bem precisamos dominar
um assunto desses para não sermos
considerados de todo ignorantes.
Não há, é claro, como começar a responder a isto antes de se ter uma
idéia do seguinte: quanto é possível
saber sobre o assunto? Vejamos: o
fim da URSS provou que a maioria
dos "kremlinologistas" estava errada e a abertura de arquivos da KGB
desmascarou não poucos como meros doutrinadores. O fenômeno se
repetirá, cedo ou tarde, com Cuba.
Mesmo em áreas menos passionais,
há espaço para debates acalorados.
Que dizer, então, das especulações
acerca do presente e do futuro?
Aqui o mundo se divide entre os
que têm acesso a fontes restritas e os
que têm acesso só às abertas. Governantes e diplomatas, membros deste ou daquele serviço secreto ou organização terrorista pertencem ao
primeiro grupo; nós, ao segundo.
Aquele não é onisciente -longe disso- nem sabe tão mais do que os
mortais. Quanto aos que dependem
de fontes abertas, mesmo os que
exauriram todas ignoram muito
mais do que sabem. Talvez se pudesse dizer que, entre os leigos, os mais
confiáveis são, por um lado, aqueles
dispostos a reconhecer a dimensão
do desconhecido e, por outro, os que
freqüentam mais despreconcebidamente as fontes disponíveis, quer dizer, os que consultam tanto publicações de direita como de esquerda e
ouvem tanto os amigos como os inimigos, sempre avaliando, comparando e cruzando as informações.
Pensando bem, eis a principal característica que diferencia estes céticos da categoria já mencionada,
digna de inveja e mais numerosa,
que reúne jornalistas e personagens
midiáticos, militantes de ONGs variadas, professores universitários e,
em geral, muitos entre os que aderem com paixão a causas avessas à
dissidência. Eles sabem mais do que
os que integram ambas as categorias
acima porque seu conhecimento deriva não de princípios teóricos e investigação minuciosa, não da dúvida
ou da curiosidade, mas, sim, de sua
visão do porvir. Como o futuro é conhecido, tudo que resta ao presente
(e ao passado) é adequar-se a ele.
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