São Paulo, quinta, 3 de setembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TEATRO
"Clarice - Coração Selvagem", peça dirigida por Maria Lucya de Lima, estréia hoje em SP
Balabanian interpreta Clarice 'solar'

VALMIR SANTOS
especial para a Folha

A atriz Aracy Balabanian, 58, estréia hoje no teatro Cultura Artística "Clarice - Coração Selvagem", peça escrita e dirigida por Maria Lucya de Lima sob a perspectiva "solar" da mulher e da escritora Clarice Lispector (1925-77).
"Quando se fala em Clarice, todo mundo acha que vai ser uma coisa muito densa. Ela é, também, e ninguém está enganando ninguém. Mas acontece que a autora pegou justamente o seu lado mais solar, mais humano", diz Aracy.
"Este relógio é dela", informa a atriz, apontando a pulseira no braço. Aracy também esmerou-se em comprar um "anelzinho de dedo" que Clarice adorava usar. Para arrematar, dá baforadas em cena, como exige o papel, sacrificando o jejum de cinco anos sem fumar.
Os laços entre Clarice e Aracy transcendem a semelhança física no palco. Quando tinha 32 anos, Clarice dormiu com o cigarro aceso e acordou com as chamas ao seu redor, sofrendo queimaduras graves. Quatro anos atrás, Balabanian teve seu apartamento no Rio destruído por um incêndio (não estava em casa) que desmaterializou boa parte da sua memória afetiva.
Nascida no Mato Grosso do Sul, solteira -"não casei de papel passado e nem tive filhos por opção"-, a atriz se diz privilegiada em poder equilibrar os extremos Cassandra ("Sai de Baixo") e Clarice.

ENCONTRO - "Quando era pequena, passei de Monteiro Lobato direto para Herman Hesse, não encontrei com Clarice. Nós éramos contemporâneas, mas ela no Rio e eu em São Paulo. Aí, quando perdi meus pais num curto espaço de tempo, aos 27 anos, fiquei desestruturada. Procurei a psicanálise. Foi aí que me encontrei com "A Paixão Segundo G. H.' e fui me reestruturando aos poucos."

HUMOR - "Toda pessoa muito inteligente tem enorme senso de humor. O público, principalmente o mais desavisado, é o que mais ri, porque Clarice tem sacadas fantásticas. Uma vez, questionada sobre o que faz quando não dorme, ela disse: "Dou a noite por encerrada, esquento o café e pronto'."

INSÔNIA - "Eu estava fazendo "Sai de Baixo' em São Paulo e ensaiando o texto da peça no Rio. Dormia quatro horas e pouco e às 7h os olhos se abriam. Pensei que não iria aguentar, porque meu melhor alimento é o sono. Aí eu pensei: é ela que sofre de insônia! Disse então: "Ô Clarice, você vai me dar licença, mas deixa eu dormir, porque senão não vai dar para eu te fazer (sic)'. Aí nunca mais acordei."

REALIDADE - "Ela dizia que não via a realidade, mas a fantasiava. Queria a verdade inventada. Claro, eu não sou assim. Eu vejo a realidade, a vida sempre colocou meus pés no chão. Quando comecei a fazer sucesso, perdi meus pais... Sempre foi assim comigo: muitas perdas nas fases de ganhos."

CLARICE X CASSANDRA - "É tudo que o ator gosta de fazer: um pouco de deboche, de papel de mau, com um tanto de drama humano. A Cassandra do "Sai de Baixo' me dá oportunidade, agora, de poder fazer Clarice no teatro sem preocupação com sucesso, filas, cambistas. Isso me encanta."



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.