|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TEATRO
"Clarice - Coração Selvagem", peça dirigida por Maria Lucya de Lima, estréia hoje em SP
Balabanian interpreta Clarice 'solar'
VALMIR SANTOS
especial para a Folha
A atriz Aracy Balabanian, 58, estréia hoje no teatro Cultura Artística "Clarice - Coração Selvagem",
peça escrita e dirigida por Maria
Lucya de Lima sob a perspectiva
"solar" da mulher e da escritora
Clarice Lispector (1925-77).
"Quando se fala em Clarice, todo
mundo acha que vai ser uma coisa
muito densa. Ela é, também, e ninguém está enganando ninguém.
Mas acontece que a autora pegou
justamente o seu lado mais solar,
mais humano", diz Aracy.
"Este relógio é dela", informa a
atriz, apontando a pulseira no braço. Aracy também esmerou-se em
comprar um "anelzinho de dedo"
que Clarice adorava usar. Para arrematar, dá baforadas em cena, como exige o papel, sacrificando o jejum de cinco anos sem fumar.
Os laços entre Clarice e Aracy
transcendem a semelhança física
no palco. Quando tinha 32 anos,
Clarice dormiu com o cigarro aceso e acordou com as chamas ao seu
redor, sofrendo queimaduras graves. Quatro anos atrás, Balabanian
teve seu apartamento no Rio destruído por um incêndio (não estava em casa) que desmaterializou
boa parte da sua memória afetiva.
Nascida no Mato Grosso do Sul,
solteira -"não casei de papel passado e nem tive filhos por opção"-,
a atriz se diz privilegiada em poder
equilibrar os extremos Cassandra
("Sai de Baixo") e Clarice.
ENCONTRO - "Quando era pequena, passei de Monteiro Lobato
direto para Herman Hesse, não encontrei com Clarice. Nós éramos
contemporâneas, mas ela no Rio e
eu em São Paulo. Aí, quando perdi
meus pais num curto espaço de
tempo, aos 27 anos, fiquei desestruturada. Procurei a psicanálise.
Foi aí que me encontrei com "A
Paixão Segundo G. H.' e fui me
reestruturando aos poucos."
HUMOR - "Toda pessoa muito
inteligente tem enorme senso de
humor. O público, principalmente
o mais desavisado, é o que mais ri,
porque Clarice tem sacadas fantásticas. Uma vez, questionada sobre
o que faz quando não dorme, ela
disse: "Dou a noite por encerrada,
esquento o café e pronto'."
INSÔNIA - "Eu estava fazendo
"Sai de Baixo' em São Paulo e ensaiando o texto da peça no Rio.
Dormia quatro horas e pouco e às
7h os olhos se abriam. Pensei que
não iria aguentar, porque meu melhor alimento é o sono. Aí eu pensei: é ela que sofre de insônia! Disse
então: "Ô Clarice, você vai me dar
licença, mas deixa eu dormir, porque senão não vai dar para eu te fazer (sic)'. Aí nunca mais acordei."
REALIDADE - "Ela dizia que não
via a realidade, mas a fantasiava.
Queria a verdade inventada. Claro,
eu não sou assim. Eu vejo a realidade, a vida sempre colocou meus
pés no chão. Quando comecei a fazer sucesso, perdi meus pais...
Sempre foi assim comigo: muitas
perdas nas fases de ganhos."
CLARICE X CASSANDRA - "É tudo que o ator gosta de fazer: um
pouco de deboche, de papel de
mau, com um tanto de drama humano. A Cassandra do "Sai de Baixo' me dá oportunidade, agora, de
poder fazer Clarice no teatro sem
preocupação com sucesso, filas,
cambistas. Isso me encanta."
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|