São Paulo, quinta, 3 de setembro de 1998

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"NAVEGAR É PRECISO"

Portugueses criam arte transgressora

BRUNO GARCEZ
da Reportagem Local

Filmes que tratam de fetichismo e canibalismo, e obras de artes plásticas que cutucam, com ironia, as chagas do passado colonial de Portugal. Esses são temas de trabalhos de artistas portugueses contemporâneos exibidos na mostra "Navegar É Preciso", organizada pelo Centro Cultural São Paulo. O megaevento, aberto ao público na última terça, pretende gerar um diálogo entre a arte dos países que falam português. A mostra exibe hoje o filme "A Comédia de Deus", de João César Monteiro, que trata de um sorveteiro que coleciona pêlos pubianos de ninfetas. No dia 15, será a vez do também português Manoel de Oliveira, com seu filme "Os Canibais".

"Inquietude", título do filme mais recente do cineasta português Manoel de Oliveira, cai como uma luva para descrever a intensa produtividade do diretor.
Oliveira, 90, realiza um filme por ano e já prepara mais um, a ser rodado em 99. Na ativa desde a década de 30, o cineasta só foi ganhar notoriedade a partir dos anos 70, devido ao reconhecimento da crítica internacional.
Na última segunda-feira, o diretor recebeu um prêmio por sua obra no Festival Mundial de Cinema de Montreal, no Canadá. "Inquietude", exibido "hors-concours" no Festival de Cannes deste ano, passou também fora da mostra competitiva de Montreal.
Em setembro, São Paulo abriga duas mostras dedicadas ao cineasta português. O "Navegar É Preciso" promove um ciclo com 11 filmes do cineasta, exibidos dentro da mostra de cinema português contemporâneo.
Haverá, ainda, entre os dias 8 e 11 deste mês, um miniciclo com seis filmes do cineasta, entre eles "Aniki-Bobó", de 42, seu primeiro longa-metragem.
As obras de Oliveira giram em torno de temas como a memória, a perda da tradição e a nostalgia por um passado que se perdeu ou que sobrevive em lugares remotos. O olhar do cineasta é lírico e carregado de melancolia.
Seus filmes são lentos e trazem planos longos, nos quais a câmera costuma permanecer imóvel.
Por vezes, como em "Os Canibais", de 87, Oliveira aposta em temas incômodos e faz uso de um peculiar senso de humor.
"Os Canibais" é uma ópera satírica que ridiculariza os poderosos de Portugal. O filme fala de um aristocrata que morre assado ao cair dentro de uma lareira e acaba sendo "servido" em um banquete de outros aristocratas. Aqueles que desfrutam de sua carne, no entanto, desconhecerão, por um bom tempo, a sua real procedência.
A irreverência também marca outro trabalho do diretor, o filme "O Convento", que fala de um escritor que vai para Portugal a fim de comprovar seus estudos que atestam que Shakespeare era, na verdade, de ascendência espanhola, e não inglês.
A busca pelo passado remoto de Portugal é o tema de "Non ou a Vã Glória de Comandar", de 90.
No filme, um oficial português relata a seus companheiros, durante o caminho para uma frente de batalha na África, histórias do passado colonial português, desde o século 16.
Outros cineastas
A mostra de novos cineastas contemporâneos portugueses do "Navegar É Preciso" traz outras curiosidades além do ciclo dedicado a Manoel de Oliveira.
Um dos destaques é a exibição, hoje, do filme "A Comédia de Deus", do cineasta João César Monteiro.



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