São Paulo, quarta-feira, 03 de outubro de 2001

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"O CLONE"

Novela globaliza-se com camelos

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Houve um tempo em que a telenovela brasileira precisou demitir os camelos. Fechou-lhes a porta porque queria convencer o público de que se tornara moderna.
Segunda-feira, no entanto, os ruminantes reencontraram-se com as câmeras. Surgiram logo às primeiras cenas de "O Clone", o folhetim de Glória Perez que a Globo acaba de lançar. E carregavam ninguém menos que Murilo Benício, o galã da noite.
A ironia é que os camelos estavam ali justamente para tentar provar que telenovelas continuam modernas. Renasceram com a missão de afirmar aquilo que antes negavam.
Explico: até o fim dos anos 60, o gênero sofreu no país forte influência dos dramalhões mexicanos e argentinos. Priorizava histórias rocambolescas e inverossímeis, que se passavam em lugares considerados misteriosos para a época (Japão, Rússia, Espanha). Uma cubana, Glória Magadan, costumava assinar os enredos.
Eram superproduções sem nenhum compromisso com a contemporaniedade. Os protagonistas -geralmente, condes, princesas, duques ou ciganas- pareciam saídos de baús empoeirados e falavam coisas como: "Eu te amo do fundo de minh'alma!".
Em 1966, a Globo transmitiu uma das novelas mais emblemáticas desse período. Chamava-se "O Xeique de Agadir" e tinha por cenário o deserto do Saara (atenção: deserto pressupõe camelos).
Dois anos depois, porém, o império do exótico viu-se seriamente ameaçado. Foi quando a Tupi exibiu "Beto Rockfeller". A novela de Bráulio Pedroso almejava revolucionar a teledramaturgia local (ou modernizá-la, como se dizia então). Para tanto, tratou de descobrir o Brasil. Colocou no ar tipos urbanos, de classe média, 100% nacionais, que reproduziam a linguagem e os dilemas das ruas.
Em razão de "Beto Rockefeller", castelos, nobres e camelos perderam gradativamente a hegemonia que gozaram sob a batuta de Glória Magadan. Agora, outra Glória -a Perez- abandona o Brasil para construir uma trama que também se pretende inovadora. E o que significa inovar nos dias que correm? Significa cruzar fronteiras e globalizar-se (pelo menos, de acordo com a cartilha em que a mídia anda rezando).
Já na estréia, "O Clone" revelou-se uma novela de todos os lugares e, portanto, de lugar nenhum. A questão, aqui, é menos geográfica do que filosófica.
Por sustentar-se sobre um tema que transcende nacionalidades (clonagem humana), o enredo poderia se desenrolar em qualquer país. O primeiro capítulo desenvolveu-se no Rio, no Egito e em Marrocos. Faria pouca diferença se o tivessem adaptado para Amsterdã, La Paz e Nova Déli.
É, sem dúvida, uma opção ousada da autora. Se vai funcionar, ainda não há como garantir. Mas vale a pena ficar de olho.


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