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"O CLONE"
Novela globaliza-se com camelos
ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL
Houve um tempo em que a
telenovela brasileira precisou demitir os camelos. Fechou-lhes a porta porque queria convencer o público de que se tornara
moderna.
Segunda-feira, no entanto, os
ruminantes reencontraram-se
com as câmeras. Surgiram logo às
primeiras cenas de "O Clone", o
folhetim de Glória Perez que a
Globo acaba de lançar. E carregavam ninguém menos que Murilo
Benício, o galã da noite.
A ironia é que os camelos estavam ali justamente para tentar
provar que telenovelas continuam modernas. Renasceram
com a missão de afirmar aquilo
que antes negavam.
Explico: até o fim dos anos 60, o
gênero sofreu no país forte influência dos dramalhões mexicanos e argentinos. Priorizava histórias rocambolescas e inverossímeis, que se passavam em lugares
considerados misteriosos para a
época (Japão, Rússia, Espanha).
Uma cubana, Glória Magadan,
costumava assinar os enredos.
Eram superproduções sem nenhum compromisso com a contemporaniedade. Os protagonistas -geralmente, condes, princesas, duques ou ciganas- pareciam saídos de baús empoeirados e falavam coisas como: "Eu te
amo do fundo de minh'alma!".
Em 1966, a Globo transmitiu
uma das novelas mais emblemáticas desse período. Chamava-se
"O Xeique de Agadir" e tinha por
cenário o deserto do Saara (atenção: deserto pressupõe camelos).
Dois anos depois, porém, o império do exótico viu-se seriamente ameaçado. Foi quando a Tupi
exibiu "Beto Rockfeller". A novela
de Bráulio Pedroso almejava revolucionar a teledramaturgia local (ou modernizá-la, como se dizia então). Para tanto, tratou de descobrir o Brasil. Colocou no ar
tipos urbanos, de classe média,
100% nacionais, que reproduziam
a linguagem e os dilemas das ruas.
Em razão de "Beto Rockefeller",
castelos, nobres e camelos perderam gradativamente a hegemonia
que gozaram sob a batuta de Glória Magadan. Agora, outra Glória -a Perez- abandona o Brasil
para construir uma trama que
também se pretende inovadora. E
o que significa inovar nos dias que
correm? Significa cruzar fronteiras e globalizar-se (pelo menos, de acordo com a cartilha em que a
mídia anda rezando).
Já na estréia, "O Clone" revelou-se uma novela de todos os lugares e, portanto, de lugar nenhum. A
questão, aqui, é menos geográfica
do que filosófica.
Por sustentar-se sobre um tema
que transcende nacionalidades
(clonagem humana), o enredo
poderia se desenrolar em qualquer país. O primeiro capítulo desenvolveu-se no Rio, no Egito e
em Marrocos. Faria pouca diferença se o tivessem adaptado para
Amsterdã, La Paz e Nova Déli.
É, sem dúvida, uma opção ousada da autora. Se vai funcionar,
ainda não há como garantir. Mas
vale a pena ficar de olho.
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