São Paulo, quarta-feira, 03 de outubro de 2001

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CRÍTICA

Encontro é bilhete de viagem a Portugal

DA REPORTAGEM LOCAL

Em "Réquiem", que chega aqui tão atrasado que até já virou filme de Alain Tanner em 1998, Antonio Tabucchi conta a história de um italiano com um encontro marcado com o maior poeta do século 20 em Lisboa. Deverá estar às 12h em ponto no cais. O poeta não aparece; seria portanto o compromisso às 12h da noite, e não ao meio-dia?
A descoberta leva o visitante a passear por uma Lisboa calorenta e deserta para matar o tempo, indo aqui e acolá, encontrando pessoas e, embora se presuma estar sonhando, se entupindo de comida portuguesa -sarrabulho, um cozido com fígado e sangue de porco que lembra o sarapatel- ou apenas falando dela: arroz de tamboril, açorda de mariscos, sopa alentejana. E bebidas: Ginjinha, vinho do Porto, bagaceira.
Curiosamente, tantas remissões à vida e aos prazeres da capital portuguesa fazem parecer que se trata de uma despedida. No entanto, Tabucchi voltaria ao tema Lisboa/Fernando Pessoa outras vezes desde então. O próprio encontro do narrador com o poeta, no livro, soa como derradeiro, sem sê-lo. Como se dissesse: você diz adeus, eu digo olá.
A grande virtude do autor italiano em seu "livrinho", que escreve em um português simples, de rua, com forte sotaque lusitano, está em envolver completamente o leitor no clima de sonho desperto que percorre toda a narrativa. Passeamos por Lisboa ao lado do protagonista, sentimos calor, o sabor doce do Porto na boca. Que vontade de comer sarrabulho!
É um daqueles livros "de viagem" sem bilhete de ida ou volta. Abra-o e estará em Lisboa, ainda que nunca tenha ido lá. Apesar de Tabucchi dizer que não escreve poesia, embora adore lê-la -é tradutor de Carlos Drummond de Andrade e do próprio Pessoa ao italiano-, é uma obra absolutamente poética, escrita em prosa.
Uma pena que estejamos tão defasados em relação a Antonio Tabucchi. Lá fora, já saíram vários livros seus, ainda inéditos por aqui -inclusive "A Gastrite de Platão" (99), em que se envolve numa polêmica com seu conterrâneo Umberto Eco (só intelectual, segundo diz, "deturpada" pelos jornais). De qualquer maneira, tratando-se de um escritor que restitui à leitura o esquecido e tão necessário prazer, sem dúvida vale esperar. (CYNARA MENEZES)


Réquiem
    
Autor: Antonio Tabucchi
Editora: Rocco
Quanto: a definir (112 págs.)



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