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CRÍTICA
Encontro é bilhete de viagem a Portugal
DA REPORTAGEM LOCAL
Em "Réquiem", que chega
aqui tão atrasado que até já
virou filme de Alain Tanner em
1998, Antonio Tabucchi conta a
história de um italiano com um
encontro marcado com o maior
poeta do século 20 em Lisboa. Deverá estar às 12h em ponto no cais.
O poeta não aparece; seria portanto o compromisso às 12h da
noite, e não ao meio-dia?
A descoberta leva o visitante a
passear por uma Lisboa calorenta
e deserta para matar o tempo, indo aqui e acolá, encontrando pessoas e, embora se presuma estar
sonhando, se entupindo de comida portuguesa -sarrabulho, um
cozido com fígado e sangue de
porco que lembra o sarapatel-
ou apenas falando dela: arroz de
tamboril, açorda de mariscos, sopa alentejana. E bebidas: Ginjinha, vinho do Porto, bagaceira.
Curiosamente, tantas remissões
à vida e aos prazeres da capital
portuguesa fazem parecer que se
trata de uma despedida. No entanto, Tabucchi voltaria ao tema
Lisboa/Fernando Pessoa outras
vezes desde então. O próprio encontro do narrador com o poeta,
no livro, soa como derradeiro,
sem sê-lo. Como se dissesse: você
diz adeus, eu digo olá.
A grande virtude do autor italiano em seu "livrinho", que escreve
em um português simples, de rua,
com forte sotaque lusitano, está
em envolver completamente o leitor no clima de sonho desperto
que percorre toda a narrativa.
Passeamos por Lisboa ao lado do
protagonista, sentimos calor, o
sabor doce do Porto na boca. Que
vontade de comer sarrabulho!
É um daqueles livros "de viagem" sem bilhete de ida ou volta.
Abra-o e estará em Lisboa, ainda
que nunca tenha ido lá. Apesar de
Tabucchi dizer que não escreve
poesia, embora adore lê-la -é
tradutor de Carlos Drummond de
Andrade e do próprio Pessoa ao
italiano-, é uma obra absolutamente poética, escrita em prosa.
Uma pena que estejamos tão
defasados em relação a Antonio
Tabucchi. Lá fora, já saíram vários
livros seus, ainda inéditos por
aqui -inclusive "A Gastrite de
Platão" (99), em que se envolve
numa polêmica com seu conterrâneo Umberto Eco (só intelectual, segundo diz, "deturpada"
pelos jornais). De qualquer maneira, tratando-se de um escritor
que restitui à leitura o esquecido e
tão necessário prazer, sem dúvida
vale esperar.
(CYNARA MENEZES)
Réquiem
Autor: Antonio Tabucchi
Editora: Rocco
Quanto: a definir (112 págs.)
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