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GASTRONOMIA
Sorvete de palito mais antigo do país, picolé que foi "personagem" do escritor Nelson Rodrigues completa seis décadas
Chicabon, 60
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Petit gâteaux, crémes brulées e
crêpes suzette que nos perdoem,
mas este modesto espaço de gastronomia hoje é dedicado a
uma iguaria que se adquire na biboca da esquina. Um picolé.
Ou o que se poderia chamar
sem exagero de
senhor picolé.
O Chicabon, o
decano dos gelados em palito
brasileiro, está
completando 60 anos.
Nessas seis décadas, consumido aos pólos nortes por todo o
Brasil, esse sorvete de chocolate
conseguiu algo que poucos alimentos alcançaram até hoje. Não
chegou ao calcanhar do bolinho
"madeleine", de Marcel Proust, é
verdade, mas o picolé virou personagem do universo das letras.
Um dos maiores cronistas e
dramaturgos brasileiros, Nelson
Rodrigues tinha no seu maravilhoso repertório de bordões a frase "sem sorte, o sujeito não chupa
nem um Chicabon".
O autor de "Vestido de Noiva"
não devia saber, mas foi justamente a sorte (de uns, azar de outros) que trouxe o picolé ao Brasil.
A história começa em Xangai,
na mesma China que dizem ter
inventado o sorvete, há 3.000
anos. Ali o americano Ulysses
Harkson instalara no início do século 20 uma fábrica de gelados.
Quando, no final dos anos 30,
Japão e China entraram em guerra, Harkson decidiu tirar o time
de campo. J. K. Lutey, o executivo
indicado para escolher a nova sede, pesquisou e escolheu a Argentina. No meio do caminho, porém, havia uma escala. E a beleza
do Rio roubou a empresa para o
Brasil. Montada aos pés do Morro
da Mangueira, nos galpões alugados da falida fábrica de sorvetes
Gato Preto, a U.S. Harkson Brasil
começou a operar em 41.
Sua primeira aposta, já com o
selo Kibon, foi o eski-bon, receita
que com mudanças (o uso de uma
massa de feijão adoçada no lugar
do sorvete de baunilha) e com o
nome Branca de Neve triunfara
na China. O Chicabon (Chica-bon, no início) veio a seguir.
A origem do nome é controversa. A versão divulgada pela Unilever, multinacional que abocanhou a Kibon por US$ 930 milhões em 1997, é: "A adoção do
nome Chicabon parece estar relacionada ao estereótipo da mulher
carioca de pele morena e ascendência africana e ao apelido de
Francisca, comum na época".
Humildemente acrescentamos
aqui que, em 1941, informa o livro
"A Canção no Tempo", de Zuza
Homem de Mello, um dos grandes sucessos no Brasil era o tema
"Chica Chica Boom Chic", gravado por Carmen Miranda.
A informação, que talvez explique o "Chicabon", apareceu por
sorte. Como lembra o jornalista
Ruy Castro, biógrafo do "chicabonófilo" Nelson Rodrigues, citando variante do bordão acima,
"sem sorte, o sujeito é atropelado
até pela carrocinha do Chicabon".
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