São Paulo, quinta-feira, 03 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GASTRONOMIA

Sorvete de palito mais antigo do país, picolé que foi "personagem" do escritor Nelson Rodrigues completa seis décadas

Chicabon, 60

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Petit gâteaux, crémes brulées e crêpes suzette que nos perdoem, mas este modesto espaço de gastronomia hoje é dedicado a uma iguaria que se adquire na biboca da esquina. Um picolé. Ou o que se poderia chamar sem exagero de senhor picolé.
O Chicabon, o decano dos gelados em palito brasileiro, está completando 60 anos.
Nessas seis décadas, consumido aos pólos nortes por todo o Brasil, esse sorvete de chocolate conseguiu algo que poucos alimentos alcançaram até hoje. Não chegou ao calcanhar do bolinho "madeleine", de Marcel Proust, é verdade, mas o picolé virou personagem do universo das letras.
Um dos maiores cronistas e dramaturgos brasileiros, Nelson Rodrigues tinha no seu maravilhoso repertório de bordões a frase "sem sorte, o sujeito não chupa nem um Chicabon".
O autor de "Vestido de Noiva" não devia saber, mas foi justamente a sorte (de uns, azar de outros) que trouxe o picolé ao Brasil.
A história começa em Xangai, na mesma China que dizem ter inventado o sorvete, há 3.000 anos. Ali o americano Ulysses Harkson instalara no início do século 20 uma fábrica de gelados.
Quando, no final dos anos 30, Japão e China entraram em guerra, Harkson decidiu tirar o time de campo. J. K. Lutey, o executivo indicado para escolher a nova sede, pesquisou e escolheu a Argentina. No meio do caminho, porém, havia uma escala. E a beleza do Rio roubou a empresa para o Brasil. Montada aos pés do Morro da Mangueira, nos galpões alugados da falida fábrica de sorvetes Gato Preto, a U.S. Harkson Brasil começou a operar em 41.
Sua primeira aposta, já com o selo Kibon, foi o eski-bon, receita que com mudanças (o uso de uma massa de feijão adoçada no lugar do sorvete de baunilha) e com o nome Branca de Neve triunfara na China. O Chicabon (Chica-bon, no início) veio a seguir.
A origem do nome é controversa. A versão divulgada pela Unilever, multinacional que abocanhou a Kibon por US$ 930 milhões em 1997, é: "A adoção do nome Chicabon parece estar relacionada ao estereótipo da mulher carioca de pele morena e ascendência africana e ao apelido de Francisca, comum na época".
Humildemente acrescentamos aqui que, em 1941, informa o livro "A Canção no Tempo", de Zuza Homem de Mello, um dos grandes sucessos no Brasil era o tema "Chica Chica Boom Chic", gravado por Carmen Miranda.
A informação, que talvez explique o "Chicabon", apareceu por sorte. Como lembra o jornalista Ruy Castro, biógrafo do "chicabonófilo" Nelson Rodrigues, citando variante do bordão acima, "sem sorte, o sujeito é atropelado até pela carrocinha do Chicabon".



Texto Anterior: Net cetera: Guerra, sombra, água fresca e sacanagem
Próximo Texto: Mundo gourmet: Atmosfera é o maior atrativo do novo Philó
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.