São Paulo, sábado, 3 de outubro de 1998

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POLICIAL ESTRANGEIRO
"O Dia em Que o Rabino Foi Embora' se perde em excesso de detalhes

RODOLFO LUCENA
Editor de Informática


Quem procura emoção, ação vibrante e tensões crescentes em um livro de mistério deve ficar longe de "O Dia em Que o Rabino Foi Embora". O livro de Harry Kemelman, quarto estrelado pelo rabino David Small que a Companhia das Letras lança, é bem chatinho. Mas não deixa de ter seu valor.
Esse volume é o último da série, que começou com muito sucesso em 1964. O primeiro título, "Sexta-Feira o Rabino Acordou Tarde", deu a Kemelman o prestigioso Prêmio Edgar, da associação de escritores Mistery Writers of America.
A receita da série combina a vidinha pacata de uma cidadezinha no subúrbio da sofisticada Boston (nordeste dos EUA) com uma boa pitada de discussão religiosa e proselitismo judaico. A morte misteriosa do turno é esclarecida pela percepção da condição humana que o rabino desenvolveu ao longo dos anos, muitas vezes com a ajuda do sexto sentido de sua dedicada mulher.
Agora, as linhas gerais parecem que vão começar a mudar. Depois de 25 anos de rabinato em Barnard's Crossing, Small está se aposentando da função, saindo do subúrbio e montando casa em Boston, mais próximo a seu novo emprego -professor no Windermere College.
A comunidade precisa escolher um novo rabino. O escolhido é bem mais jovem e adepto do jogging -usa as manhãs, antes do culto, para correr pelas ruas em shorts ou abrigo esportivo, o que não é exatamente a vestimenta que a comunidade considera adequada para seu rabino.
Para complicar as coisas, a mulher do novato não só não professa a mesma fé, mas também trabalha fora. E para complicar mais ainda a situação, um professor da universidade, colega de Small, é encontrado morto no jardim da casa do novo rabino.
Mas tudo isso acontece aos poucos, beeeem aos poucos.
Nos primeiros capítulos, as discussões mais emocionantes, que envolvem diversos grupos de personagens, são sobre os meios de transporte que o rabino deve usar para se deslocar de Barnard's Crossing a Boston.
Um exemplo é o seguinte diálogo, em que um colega pergunta a Small: "O senhor vai continuar morando em Barnard's Crossing? Eu o vi saindo do metrô, então imagino que o senhor hoje veio de trem ou de ônibus. São esses os seus planos? Utilizar transporte público todos os dias?".
Ao que o rabino detalhisticamente responde: "Não, estava pensando em vir de carro a maioria das vezes; mas hoje decidi tomar o trem para evitar o trânsito da hora do rush. Nos outros dias não vou chegar tão cedo; minha aula só começa às onze".
E por aí vai. Só não é tão chato porque o leitor acaba entrando num espírito meio condescendente, pensando: "Ê, vidinha murrinha". E vai acompanhando a história que, afinal de contas, é bem escrita.
O melhor, nessa parte, são as discussões religiosas. Chefe do recém-criado Departamento de Estudos Judaicos do Windermere College, ele entabula com seus alunos -e uma colega-aluna- conversações sobre práticas religiosas e modos de ver a culpa e o prazer, entre outros temas palpitantes, que incluem também os problemas do casamento inter-religiões.
O morto, mesmo, só aparece no capítulo 25 (são 42 no total). Ele é encontrado por acaso, porque um policial precisou parar sua ronda motorizada para urinar. E o policial teve de urinar porque vinha tomando remédio contra a pressão alta -tudo é explicado em detalhes, durante as profundas conversações entre esses personagens secundários.
Já que há mistério, é a vez do rabino brilhar. Os elementos vão aparecendo, os indícios são desvendados. Cabe a Small juntar as peças e resolver o quebra-cabeça. Como era esperado desde o início.
Completando a diversão, um glossário traz explicações de alguns termos judaicos usados ao longo da história. Interessante.
˛

Livro: O Dia em Que o Rabino Foi Embora Autor: Harry Kemelman
Lançamento: Cia das Letras
Quanto: R$ 19,50 (272 págs.)




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