São Paulo, sábado, 3 de outubro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTES PLÁSTICAS
Van Gogh domina Washington

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
de Washington

Começa amanhã uma exposição de 70 quadros de Van Gogh que, provavelmente, será o maior sucesso, em termos de número de espectadores, da história das mostras de artes plásticas na capital dos EUA.
"Van Gogh's Van Goghs" (Os Van Gogh de Van Gogh) é uma mera transferência de parte do acervo permanente do Museu Van Gogh, de Amsterdã, que está fechado para reformas desde o início do mês passado até maio de 1999.
Em menos de duas semanas, 216 mil passes com data marcada para a exposição na Galeria Nacional de Arte foram requisitados (a galeria, que faz parte da Instituição Smithsonian, não cobra ingressos porque a fundação foi criada sob a condição de que as suas atividades sempre fossem gratuitas).
Outros 378 mil passes serão distribuídos até 3 de janeiro. É muito provável que não sobre nenhum, o que garantirá uma audiência diária média de mais de 6 mil pessoas, bem superior à das 4.679 que viram a retrospectiva de Vermeer em 1995-1996.
Só que a exposição desse outro artista holandês, que viveu 300 anos antes de Van Gogh, era muito mais importante do que a mostra que começa amanhã. Johannes Vermeer (1632-1675) pintou muito pouco, ao contrário de Van Gogh (1853-1890). Enquanto só se conhecem 35 pinturas de Vermeer, as de Van Gogh são 879.
A mostra de Vermeer reuniu dois terços da produção total do pintor, enquanto a de Van Gogh representa apenas 8%.
Mas não é a quantidade dos trabalhos de cada um que fez da retrospectiva de Vermeer uma mostra merecedora de mais crédito do que a de Van Gogh que se inicia.
É que a de Vermeer representou, de fato, um esforço de juntar obras que nunca haviam sido vistas num mesmo local -elas vieram da Irlanda, Escócia, Alemanha, França, Holanda, Inglaterra, muitas das quais jamais haviam deixado a Europa, e dos EUA; oito trabalhos foram restaurados para serem vistos em Washington.
A de Van Gogh, não. Há 25 anos que os quadros que a compõem são exibidos no mesmo museu, em Amsterdã, ao lado de outros 130, e para lá voltarão no ano que vem.
Não que isso tire o mérito de cada trabalho em si. Nem que torne menos atraente para o norte-americano que não possa viajar à Holanda a oportunidade de conhecer um grupo de obras importantes das artes do século 19. "Os Comedores de Batata", "O Quarto de Dormir" e "O Campo de Trigo com Corvos" são realmente pontos de referência na vida artística desse pintor.
O problema é que essa exposição está sendo apresentada como se fosse um marco na história da arte. "Maior mostra da carreira de Van Gogh fora da Holanda em 25 anos" diz o cabeçalho do press release da galeria, que é tão boa de marketing que a notícia da exibição foi manchete do jornal "Washington Post", quando surgiu, em maio.
Tanto exagero é sintoma e consequência do fenômeno da massificação das galerias de arte nos EUA, que é um processo, ao mesmo tempo, admirável e aterrador.
É bom que mais e mais pessoas se interessem e tenham acesso à arte. Mas também dá medo que as exibições fiquem reduzidas aos nomes mais conhecidos, como o de Van Gogh.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.