São Paulo, sábado, 3 de outubro de 1998

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INTÉRPRETES X ALTO-FALANTES
Eletroacústica refaz o som

free lance para a Folha

Aparentemente "futurística", como a trilha sonora de um filme de ficção científica em que alto-falantes tomam o lugar de músicos franzinos e indefesos, a história da música eletroacústica, apesar da sofisticação do nome, está ligada às experiências mais básicas da percepção e criação musical.
Em 1935, foi exposto em Berlim o primeiro gravador de fita magnética. Para a música erudita, essa máquina era um meio capaz de transformar todas as coisas em instrumentos em potencial.
Experiências com instrumentos alternativos já haviam sido feitas anteriormente pelo compositor francês Olivier Messieaen, que escreveu peças para serem executadas por um aparelho elétrico usado pelos telégrafos, o Ondas Martenot.
Tratam-se de obras já bastante abstratas, em que transparece uma certa artificialidade. O Ondas Martenot era tocado à distância, sensível à proximidade e ao calor das mãos do instrumentistas e capaz de criar sons incomuns a partir de oscilações sutis.
Em 1948, o francês Pierre Scheaffer iniciou pesquisas musicais com sons concretos, naturais, como o da água, do atrito entre objetos, da voz humana ou de latidos de cachorros. Na mesma época, em Colônia, Alemanha, acontecia um esforço contrário para a criação de uma música feita totalmente a partir de sons eletrônicos que pudessem manipular e sintetizar ondas sonoras.
Ou seja, mais do que uma busca pelo "extraterrestre", a música eletroacústica -fusão da música concreta e eletrônica- se voltava para as propriedades materiais, para a essência física de sua linguagem.
Para o ouvinte, isso implica um conceito diferenciado do que seja ouvir música. Um exemplo é a "partitura auditiva", feita para o público e não mais para o intérprete (veja reprodução nesta página).
Ela traduz algo que é experimental do ponto de vista de quem houve. Sem os seus referenciais mais básicos do que conhecia como música clássica -a melodia, o instrumentista, o regente ou mesmo as imperfeições da performance ao vivo-, o ouvinte está diante de uma arte que transgride seus conceitos de tempo, ritmo, harmonia, pausa.
O som da voz humana e das palavras, por exemplo, um dos principais assuntos do compositor Luciano Berio (que terá a obra "Chants Paralléles" apresentada na Bienal) passa a ser ouvido como se estivesse sendo pronunciado pela primeira vez e de uma maneira que relativisa seu significado.
Por outro lado toda a tecnologia não esconde as virtudes e limitações do compositor. Sua concepção musical e sua capacidade de efetivá-las estão expostas do modo mais explícito.
E, mais do que o arrebatamento diante do novo, o espectador poderá encontrar um meio de apreciar uma música pouco marcada por padrões já definidos, pela crítica ou virtuosismo do intérprete. (RVMR)



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