São Paulo, sábado, 3 de outubro de 1998

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"Acho triste a explosão do tecno'

free lance para a Folha

O compositor Flo Menezes, 36, organizador da Bimesp e diretor do Studio PANaroma, falou à Folha sobre o conservadorismo do meio musical brasileiro e a má aceitação da música contemporânea pelos intérpretes nacionais.
Menezes morou seis anos em Colônia, Alemanha, onde complementou sua formação como compositor. Lançou em 1996 o livro "Música Eletroacústica - História e Estéticas" (Edusp). Suas "Sinfonias" para grupo de 8 alto-falantes estréiam no último dia da Bimesp. (RVMR)


Folha - Como compositor brasileiro, você se sente herdeiro de Villa-Lobos?
Flo Menezes -
Não. A música que faço está mais relacionada à de Schoenberg, Stravinsky, Luciano Berio e Stockhausen do que com a dele.
Folha - O Brasil é um país conservador em termos musicais?
Menezes -
Sim, basta ver o espaço que a geração nacionalista teve por aqui. Isso atrasou a música brasileira em pelo menos 50 anos. Penso que existe um problema quando um compositor tenta forjar um estilo a qualquer custo. Um bom compositor consegue fazer brotar um estilo dentro da diversidade. Com a ilusão de que se está sendo leal às nossas raízes, o nacionalismo se trai quando, por exemplo, não percebe que, no caso da música popular brasileira, as raízes rítmicas vieram principalmente da África. As influências vêm sempre de muitos lugares. O mundo é misto, miscigenado, ao contrário do querem os "puristas" e racistas.
Folha - Ao aderir à música eletroacústica, o compositor brasileiro não está simplesmente importando uma vanguarda européia?
Menezes -
Por que você pode importar melodias folclóricas da Península Ibérica, por exemplo, e não pode importar da Alemanha e da França o serialismo ou a música eletrônica? É a velha questão da antropofagia. Nós devemos deglutir tudo! Ninguém precisa manter e querer que a nossa música tenha uma "cor nacional".
Folha - Qual é o impacto da música eletroacústica no público?
Menezes -
Há um mito de que existe um público único na história da música e que ele se perdeu com a música contemporânea. Sempre existiram vários públicos. Esse público no singular é uma abstração criada pela indústria cultural, pela era mercadológica da música do nosso século. Agora, se considerarmos as pessoas que têm ido a eventos de música de vanguarda, o impacto é extremamente positivo e permanente.
Folha - Como você vê a explosão da música tecno nas grandes cidades, levando em conta que ela é produzida e difundida por meios muito semelhantes aos da música eletroacústica?
Menezes -
Acho triste. Desde o início da música eletroacústica, sempre esteve claro que a principal conquista dessa estética estaria sobretudo na revolução que os meios tecnológicos permitiriam à idéia musical. A tecnologia por si só não garante nada em termos de qualidade.
Ela não permite superar um eventual desnível técnico entre o
intérprete de música erudita brasileiro e o europeu?
Menezes -
O desnível não é necessariamente técnico e, se existe, está mais ligado à dificuldade de reconhecer uma limitação em relação a um novo repertório.



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