São Paulo, Quarta-feira, 03 de Novembro de 1999
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As sete vidas de Lobão

Niels Andreas/Folha Imagem
O músico carioca Lobão, que lança no dia 25 seu décimo disco, "A Vida É Doce", em bancas de jornal e sem apoio de gravadoras



Artista se assume independente, lança álbum que será vendido em bancas de jornal e na Internet e conta que esteve em coma por 15 dias em março


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Muita coisa tem acontecido na vida de Lobão, 42, em 1999. Ele intensificou as já conhecidas estratégias de agressão verbal ao sistema fonográfico. Rompeu mais uma vez com as gravadoras. Ficou 15 dias em coma, em março. Voltou. Encontrou a forma de burlar a indústria e lança, no fim deste mês, seu primeiro CD independente. Irá vendê-lo em bancas de jornal, com uma revista-manifesto distribuída por uma pequena editora, a R$ 14,90. Compareceu a um tributo televisivo a Tim Maia só para achincalhar a Globo e os colegas que considera "covardes". Colocará faixas do disco na Internet, no formato MP3. Protagoniza um CD-ROM que será encartado na próxima edição da revista "Showbizz".
"A Vida É Doce", que o artista carioca diz encerrar trilogia iniciada por "Nostalgia da Modernidade" (95) e "Noite" (98), vai às bancas com tiragem inicial -e nacional- de 50 mil exemplares. Sai pela editora MID, que, perseguindo novos formatos, lança desde julho a "MP3 Magazine".
"Temos um acordo com a distribuidora de que pelo menos por três meses o CD não será retirado das bancas. A idéia é mantê-lo ainda mais tempo", diz o editor Ivan Battesini, 35.
O CD será vendido também nos sites de Lobão (www.uol.com.br/lobao/) e da revista (www.mp3magazine.com.br). Artista e editora negociam também a venda em duas megastores de discos.
As cópias serão numeradas, atendendo a reclame constante de Lobão contra o que chama de "pirataria oficial" das gravadoras, e não poderão ser achadas nas estantes normais de CDs.
"Revista e CD são inalienáveis. Não é "compre uma revista e leve um CD grátis". É um projeto, nada é grátis. Será uma maneira de detectar pirataria: se achar o CD só no estojo, pode chamar a polícia que é pirata", diz Lobão.
Os custos de produção -R$ 50 mil, segundo ele- foram cobertos com recursos próprios e a participação de investidores; do arrecadado, 45% ficam para as bancas e 55% serão rachados entre artista, editora e investidores. "Se eu estivesse em gravadora, receberia R$ 0,36 por cópia. Assim, vou ganhar R$ 1,50", calcula.
Gato de sete vidas, Lobão só agora conta que "A Vida É Doce" sucede uma crise de depressão e que ele escapou de morrer em março, após misturar álcool e remédio para dormir. Não foi uma tentativa de suicídio, afirma.
"Errei a dose. Estava sem dormir havia dois meses e sem grana para tomar vinho. Foi cachaça mesmo. Aí tomei o calmante, uns quatro, cinco. Tive que fazer lavagem, fiquei 15 dias em coma."
O acidente se consumou no primeiro álbum "sóbrio" de sua carreira. "Parei de cheirar, mas achava que tinha que beber muito para fazer música, que tinha que fazer bêbado. Nunca fiz música careta antes. Mas aí minha psicóloga falou que eu era alcoólatra, dependente. Tive que provar para mim que não era."
A trilogia rumo ao Universo Paralelo (é o nome de seu selo, pelo qual ele diz sonhar lançar novos artistas e outros "ejetados" do mercado), que havia começado em samba ("Nostalgia da Modernidade") e continuado em tecno ("Noite", que à época ele definiu como opção "retrô"), termina em trip hop. Desta vez não é retrô, ele afirma.
"Talvez este disco seja meu mais ousado. Não sei se um roqueiro vai gostar de ouvir "Tão Menina" com "Ipanema no Ar". As pessoas tentam folclorizar muito a música brasileira, e nesse sentido meu disco é ousado. E é brasileiro. É uma vontade de inventar um outro habitat, de reinventar uma maneira de viver, não circunscrita num shopping center, todo mundo de celular. Isso me constrange, essa uniformidade toda."
Daí, ele vem decupar o trabalho: "Tem coisas de Dolores Duran, de Maysa, de Massive Attack, de Led Zeppelin, de Wyclef Jean, música serial sampleada, Jorge Ben, Edu Lobo, Zé Ramalho, Racionais MC's. "Universo Paralelo" faz uma citação explícita ao trip hop do Portishead, mas "Amanhecendo na Lagoa" é puro Tom Jobim. Mas não quis fazer cópia. É tudo usado de maneira funcional. Usei tudo que gosto, que acho legal".
Para quê? "Estou procurando uma linguagem. Não pertenço a nenhum segmento a não ser a música popular brasileira, que considero culpada, cristã. Quero desconstruí-la, quero dar minha contribuição. "A Vida É Doce" é um disco bonito. Não é do caralho, mas é bonito pra caralho".


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