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"EM BUSCA DE KLINGSOR"
A quase bomba atômica de Hitler
MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA
Se a física moderna nasceu na
Alemanha dos anos 20, inclusive os primeiros cálculos da fusão nuclear, por que não foi Hitler
o primeiro a ter em mãos a bomba atômica, o que, com certeza,
teria esculpido o mundo com outras formas? Londres e Moscou
estariam sob ruínas, haveria uma
suástica como a logomarca de camisetas, e a intolerância racial
transformaria a diversidade numa pasta homogênea e loira.
Essa pergunta é o "subtexto" do
romance "Em Busca de Klingsor"
(Prêmio Biblioteca Breve de
1999), de Jorge Volpi, jovem autor
mexicano ("El Temperamento
Melancólico").
Sim, o tema do livro se parece
com o da peça "Copenhague", do
inglês Michael Frayn, que já passou por São Paulo e está em cartaz
no Rio de Janeiro (teatro Casa da
Ciência). Segundo Volpi, a peça,
que mostra o encontro dos físicos
Niels Bohr e Werner Heisenberg,
em 1941, estreou em Londres
quando ele coincidentemente escrevia seu romance, que também
narra detalhes do encontro em
que mestre e pupilo debatem se é
direito usar o conhecimento científico para a construção de armas
de destruição em massa.
Volpi criou uma narrativa de
suspense para recontar a história
da ciência do Terceiro Reich. Um
físico jovem, Francis Bacon, homônimo do filósofo inglês, faz
parte de uma equipe que, em
1943, investiga o projeto nuclear
alemão. No fim da guerra, sua
missão é aprisionar cientistas alemães e levá-los ao Reino Unido.
Descobre, então, que um misterioso Klingsor era o mais importante assessor de Hitler e chefiava
a ciência alemã. Os americanos
precisavam pôr as mãos nele.
Os anos 20 e 30 foram os mais
decisivos da ciência moderna. Se
antes era o caos, as leis da física
clássica estavam superadas, uma
nova teoria organizava o quanta
de Max Planck, a relatividade de
Einstein, o modelo atômico de
Bohr e o problema das linhas espectrais. E a sede dos acontecimentos eram os institutos de pesquisa alemães. Veio Hitler, os
cientistas se espalharam e poucos
ficaram na Alemanha nazista, que
não teve a bomba atômica por
uma picuinha entre dois deles, Johannes Stark e Heisenberg.
O primeiro ganhou a confiança
do Reich, defendia a "Deutsche
Physik", apostava os recursos na
medição de crânios e nas experiências genéticas para provar a
superioridade da raça ariana, em
detrimento das pesquisas atômicas, ciência de judeus, diziam.
Quando Hitler percebeu o erro,
já era tarde. Os aliados já estavam
em solo alemão, e Heisenberg
conseguiu apenas acionar uma
pilha atômica, sem nunca precisar
a massa crítica necessária capaz
de detonar a reação em cadeia da
bomba. Foi por pouco. Graças à
intolerância do regime nazista.
O livro vale pelo tema. Volpi se
cerca de uma profunda pesquisa
(como a carta em que Einstein
anuncia ao governo americano a
possibilidade de construir a bomba), escreve como se fosse suspense e desperta o interesse de leigos, apesar de criar uma história
de amor amadora para amarrar
mais "literariamente" (digerivelmente?) seu romance, história
que ajuda a revelar quem foi
Klingsor, uma surpresa no final.
Em Busca de Klingsor
En Busca de Klingsor
Autor: Jorge Volpi
Tradutor: Sérgio Molina
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 38,50 (488 págs.)
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