São Paulo, sábado, 03 de novembro de 2001

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"EM BUSCA DE KLINGSOR"

A quase bomba atômica de Hitler

MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA

Se a física moderna nasceu na Alemanha dos anos 20, inclusive os primeiros cálculos da fusão nuclear, por que não foi Hitler o primeiro a ter em mãos a bomba atômica, o que, com certeza, teria esculpido o mundo com outras formas? Londres e Moscou estariam sob ruínas, haveria uma suástica como a logomarca de camisetas, e a intolerância racial transformaria a diversidade numa pasta homogênea e loira.
Essa pergunta é o "subtexto" do romance "Em Busca de Klingsor" (Prêmio Biblioteca Breve de 1999), de Jorge Volpi, jovem autor mexicano ("El Temperamento Melancólico").
Sim, o tema do livro se parece com o da peça "Copenhague", do inglês Michael Frayn, que já passou por São Paulo e está em cartaz no Rio de Janeiro (teatro Casa da Ciência). Segundo Volpi, a peça, que mostra o encontro dos físicos Niels Bohr e Werner Heisenberg, em 1941, estreou em Londres quando ele coincidentemente escrevia seu romance, que também narra detalhes do encontro em que mestre e pupilo debatem se é direito usar o conhecimento científico para a construção de armas de destruição em massa.
Volpi criou uma narrativa de suspense para recontar a história da ciência do Terceiro Reich. Um físico jovem, Francis Bacon, homônimo do filósofo inglês, faz parte de uma equipe que, em 1943, investiga o projeto nuclear alemão. No fim da guerra, sua missão é aprisionar cientistas alemães e levá-los ao Reino Unido. Descobre, então, que um misterioso Klingsor era o mais importante assessor de Hitler e chefiava a ciência alemã. Os americanos precisavam pôr as mãos nele.
Os anos 20 e 30 foram os mais decisivos da ciência moderna. Se antes era o caos, as leis da física clássica estavam superadas, uma nova teoria organizava o quanta de Max Planck, a relatividade de Einstein, o modelo atômico de Bohr e o problema das linhas espectrais. E a sede dos acontecimentos eram os institutos de pesquisa alemães. Veio Hitler, os cientistas se espalharam e poucos ficaram na Alemanha nazista, que não teve a bomba atômica por uma picuinha entre dois deles, Johannes Stark e Heisenberg.
O primeiro ganhou a confiança do Reich, defendia a "Deutsche Physik", apostava os recursos na medição de crânios e nas experiências genéticas para provar a superioridade da raça ariana, em detrimento das pesquisas atômicas, ciência de judeus, diziam.
Quando Hitler percebeu o erro, já era tarde. Os aliados já estavam em solo alemão, e Heisenberg conseguiu apenas acionar uma pilha atômica, sem nunca precisar a massa crítica necessária capaz de detonar a reação em cadeia da bomba. Foi por pouco. Graças à intolerância do regime nazista.
O livro vale pelo tema. Volpi se cerca de uma profunda pesquisa (como a carta em que Einstein anuncia ao governo americano a possibilidade de construir a bomba), escreve como se fosse suspense e desperta o interesse de leigos, apesar de criar uma história de amor amadora para amarrar mais "literariamente" (digerivelmente?) seu romance, história que ajuda a revelar quem foi Klingsor, uma surpresa no final.


Em Busca de Klingsor
En Busca de Klingsor     Autor: Jorge Volpi Tradutor: Sérgio Molina Editora: Companhia das Letras Quanto: R$ 38,50 (488 págs.)




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