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ARTES PLÁSTICAS
Mostra no museu inglês expõe como o surrealismo se orientou pelo conhecimento dos anseios do homem
Tate ilumina obscuros objetos do desejo
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Nem Freud explicava. Em 1932,
o surrealismo já corria solto e o
pai da psicanálise escrevia a André Breton: "Embora tenha recebido muitos testemunhos do interesse que você e seus seguidores
mostram pelas minhas pesquisas,
eu não me considero apto para esclarecer o que é o surrealismo".
Se Freud falava no mito do assassinato do pai como fundador
da civilização, dessa vez era ele,
pai ou inspirador do surrealismo,
quem esfaqueava o filho.
Quase sete décadas depois,
quando o surrealismo já passeia
livremente em anúncios de todos
os tipos, em pôsteres de entradas
de condomínios de classe média
ou colado em ímãs de geladeira,
sabemos que o filho não só não
morreu, como seguiu se alimentando do pai.
Agora o banquete está servido
ao público. Em uma das maiores
exposições já organizadas em torno do surrealismo, "Surrealismo:
Desejo Desatado", a fulgurante
Tate Modern, de Londres, mostra
como essa vanguarda artística,
seus predecessores e seguidores,
lidaram com o que, aí sim, Freud
explicou.
Dizia Breton, motor propulsor
surrealista, que o desejo era o
"único princípio motivador do
universo, o único mestre que os
humanos precisam reconhecer".
E para o poeta, que três anos antes de assinar o "Primeiro Manifesto Surrealista" viajara a Viena
para visitar o mesmo Freud, o veterano psicanalista era o único
mestre do desejo.
Breton não estava sozinho.
"Surrealismo: Desejo Desatado"
começa mostrando como as
idéias freudianas já permeavam
os pré-surrealistas.
A primeira peça é uma reprodução do "Grande Vidro", para
muitos a obra-prima do francês
Marcel Duchamp. Nessa escultura (grande e de vidro, claro), o artista faz analogias à relação sexual
entre homem e mulher usando
linguagens da física e da engenharia. As outras obras da sala, uma
das 13 nas quais estão os mais de
500 itens da exposição, trabalham
o conceito de desejo mecânico.
Freud está logo ao lado. O segundo espaço da mostra é dedicado ao "Complexo de Édipo", sua
clássica teoria sobre a inclinação
erótica de uma criança pelo progenitor do sexo oposto.
O emblema é "Cérebro de
Criança", pintura surrealista assinada pelo italiano Giorgio de Chirico em 1914 e que esteve pendurada na sala da casa de Breton,
que enxergava no homem sem camisa e com os olhos fechados o
desejo sublimado pela mãe.
As salas escuras, pintadas de negro ou cor-de-rosa choque, continuam seguindo o "pavio de prata", expressão bretoniana do desejo. E a poesia de Breton também
ganha uma delas.
Repleta de manuscritos, fotografias, primeiras edições, um dos
espaços mostra como "a poesia é
feita numa cama, como o amor.
Seus lençóis amarfanhados são a
aurora das coisas". Além das roupas de camas amassadas da poesia, a sala abre um bom espaço para os amarfanhares menos ortodoxos dos leitos dos poetas.
Exemplo é um dos triângulos
amorosos esquadrinhados pelos
integrantes do surrealismo: o ménage à trois do poeta Paul Eluard,
sua mulher, Gala (posteriormente
a senhora Dalí), e o artista plástico
Max Ernst. Um livro feito pelos
três durante a hipotenusa da relação está em uma das vitrines.
E é só uma das muitas perversões da exposição. Lá estão desde
os travestismos de Marcel Duchamp (fotos dele trajado como
Rrose Sélavy) até esculturas fálicas feitas este ano pela veterana
Louise Bourgeois.
E, nesse caminho pelo desejo,
que passa por inúmeros (e pervertidos) Dalís e Picassos e pelo
clássico "Estupro", do belga Magritte (tela em que um rosto é feito
com o corpo nu de uma mulher),
não poderia faltar a América Latina. Sobretudo a mulher latina.
Além de duas obras da mexicana Frida Kahlo, uma delas emprestada pela "fridakahlete" Madonna, estão obras de uma brasileira. São duas esculturas de Maria: a vanguardista Maria Martins,
musa de Marcel Duchamp.
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