São Paulo, sábado, 03 de novembro de 2001

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ARTES PLÁSTICAS

Mostra no museu inglês expõe como o surrealismo se orientou pelo conhecimento dos anseios do homem

Tate ilumina obscuros objetos do desejo

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Nem Freud explicava. Em 1932, o surrealismo já corria solto e o pai da psicanálise escrevia a André Breton: "Embora tenha recebido muitos testemunhos do interesse que você e seus seguidores mostram pelas minhas pesquisas, eu não me considero apto para esclarecer o que é o surrealismo".
Se Freud falava no mito do assassinato do pai como fundador da civilização, dessa vez era ele, pai ou inspirador do surrealismo, quem esfaqueava o filho.
Quase sete décadas depois, quando o surrealismo já passeia livremente em anúncios de todos os tipos, em pôsteres de entradas de condomínios de classe média ou colado em ímãs de geladeira, sabemos que o filho não só não morreu, como seguiu se alimentando do pai.
Agora o banquete está servido ao público. Em uma das maiores exposições já organizadas em torno do surrealismo, "Surrealismo: Desejo Desatado", a fulgurante Tate Modern, de Londres, mostra como essa vanguarda artística, seus predecessores e seguidores, lidaram com o que, aí sim, Freud explicou.
Dizia Breton, motor propulsor surrealista, que o desejo era o "único princípio motivador do universo, o único mestre que os humanos precisam reconhecer".
E para o poeta, que três anos antes de assinar o "Primeiro Manifesto Surrealista" viajara a Viena para visitar o mesmo Freud, o veterano psicanalista era o único mestre do desejo.
Breton não estava sozinho. "Surrealismo: Desejo Desatado" começa mostrando como as idéias freudianas já permeavam os pré-surrealistas.
A primeira peça é uma reprodução do "Grande Vidro", para muitos a obra-prima do francês Marcel Duchamp. Nessa escultura (grande e de vidro, claro), o artista faz analogias à relação sexual entre homem e mulher usando linguagens da física e da engenharia. As outras obras da sala, uma das 13 nas quais estão os mais de 500 itens da exposição, trabalham o conceito de desejo mecânico.
Freud está logo ao lado. O segundo espaço da mostra é dedicado ao "Complexo de Édipo", sua clássica teoria sobre a inclinação erótica de uma criança pelo progenitor do sexo oposto.
O emblema é "Cérebro de Criança", pintura surrealista assinada pelo italiano Giorgio de Chirico em 1914 e que esteve pendurada na sala da casa de Breton, que enxergava no homem sem camisa e com os olhos fechados o desejo sublimado pela mãe.
As salas escuras, pintadas de negro ou cor-de-rosa choque, continuam seguindo o "pavio de prata", expressão bretoniana do desejo. E a poesia de Breton também ganha uma delas.
Repleta de manuscritos, fotografias, primeiras edições, um dos espaços mostra como "a poesia é feita numa cama, como o amor. Seus lençóis amarfanhados são a aurora das coisas". Além das roupas de camas amassadas da poesia, a sala abre um bom espaço para os amarfanhares menos ortodoxos dos leitos dos poetas.
Exemplo é um dos triângulos amorosos esquadrinhados pelos integrantes do surrealismo: o ménage à trois do poeta Paul Eluard, sua mulher, Gala (posteriormente a senhora Dalí), e o artista plástico Max Ernst. Um livro feito pelos três durante a hipotenusa da relação está em uma das vitrines.
E é só uma das muitas perversões da exposição. Lá estão desde os travestismos de Marcel Duchamp (fotos dele trajado como Rrose Sélavy) até esculturas fálicas feitas este ano pela veterana Louise Bourgeois.
E, nesse caminho pelo desejo, que passa por inúmeros (e pervertidos) Dalís e Picassos e pelo clássico "Estupro", do belga Magritte (tela em que um rosto é feito com o corpo nu de uma mulher), não poderia faltar a América Latina. Sobretudo a mulher latina.
Além de duas obras da mexicana Frida Kahlo, uma delas emprestada pela "fridakahlete" Madonna, estão obras de uma brasileira. São duas esculturas de Maria: a vanguardista Maria Martins, musa de Marcel Duchamp.



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