São Paulo, quinta-feira, 03 de novembro de 2005

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29ª MOSTRA DE CINEMA

Diretor irlandês faz segunda colaboração com o escritor Patrick McCabe e conta com atuação memorável de Cillian Murphy

Neil Jordan usa humor contra o cinismo

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL

Na Londres da década de 1970, uma jovem elegantemente vestida passeia com um carrinho de bebê e ouve gracejos dos trabalhadores de uma construção, que logo se assustarão ao perceber que a bela mulher é, na verdade, um homem travestido. Assim começa "Café da Manhã em Plutão", novo filme de Neil Jordan, que passa hoje na Mostra.
Os iniciados na obra do diretor irlandês certamente vão se lembrar de "Traídos pelo Desejo" (1992), mas a questão da sexualidade, apesar de estar presente em todo o filme, não é motivo de suspense aqui: fica-se sabendo de saída que Patrick "Kitten" Braden (magistralmente interpretado por Cillian Murphy, o Espantalho de "Batman Begins") é homem. Biologicamente, é claro.
Dentro da obra de Jordan, "Café da Manhã em Plutão" está mais próximo de "Nó na Garganta" (1997). Os dois filmes são baseados em livros do escritor Patrick McCabe e contam a história de garotos irlandeses que, vindos de famílias desajustadas, tornam-se uma espécie de párias sociais.
Mas a história do jovem Patrick, apesar de seus vários percalços, é muito menos sinistra do que a do garoto-açougueiro Francie, de "Nó na Garganta". Aqui, o tom é o de uma fábula encantadora, uma bela história sobre as virtudes da perseverança e do bom caráter -acompanhada, como não seria diferente em um filme de Jordan, de um pano de fundo que retrata a efervescência política e social da Irlanda e da Inglaterra nas décadas de 1960 e 1970.
Filho bastardo do padre Bernard (Liam Neeson), Patrick Braden é criado por uma família adotiva na pequena (e fictícia) cidade irlandesa de Tyreelin. O garoto percebe desde cedo que é diferente dos demais e que isso irá lhe sujeitar à rejeição e à crueldade que a sociedade tradicionalmente dispensa àqueles que, de alguma forma, não se enquadram. A tudo e a todos, Patrick reagirá com doçura, simpatia e humor inabaláveis.
Quando descobre que foi criado por uma família adotiva, o garoto decide ir para Londres atrás de sua mãe verdadeira. Na capital inglesa, viverá situações bizarras, descobrirá o amor e o abandono, será enganado por uma série de aproveitadores e fará alguns amigos, até atingir seu objetivo.
Embalando a saga de Patrick está uma trilha sonora que acompanha a evolução temporal do filme com músicas da época. O próprio título original ("Breakfast on Pluto") é emprestado de uma canção dos anos 1970, interpretada pelo cantor folk Don Partridge. A lista de clássicos vai do folk ao punk, passando pelo soul, e inclui "Feelings" (Morris Albert), "Children of the Revolution" (T-Rex) e "Sugar Baby Love" (The Rubettes).
"Café da Manhã em Plutão" tem muito de vários outros filmes de Neil Jordan (incluindo atores como Stephen Rea), mas raras vezes o diretor foi tão feliz ao misturar humor e drama, absurdo e realidade histórica. Sua mensagem é impactante: seu personagem é um "desajustado" não por sua opção sexual, mas por se manter íntegro em um mundo cínico.


Café da Manhã em Plutão
    
Direção:
Neil Jordan
Quando: hoje, às 22h, no Espaço Unibanco



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