São Paulo, sábado, 03 de novembro de 2007 |
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MANUEL DA COSTA PINTO Wittgenstein e a promessa de felicidade
"WITTGENSTEIN!", DE Contador Borges, é a edição em livro de um monólogo apresentado recentemente em São Paulo pelo ator Jairo Arco e Flexa, com direção de Roberto Rosa. A montagem mereceria comentário à parte, pela performance que equilibra razão e mania (dois traços da biografia do pensador austríaco) e pelo engenhoso cenário que materializa o espaço mental do autor de "Tractatus Logico-Philosophicus". Estréia do poeta de "O Reino da Pele" na dramaturgia, o texto apresenta dois desafios. De um lado, acrescentar mais um título à série de romances, peças e filmes sobre o filósofo -com destaque para o "script" de Terry Eagleton para "Wittgenstein", do diretor Derek Jarman. De outro, dar corpo a uma filosofia que jamais fala das coisas em si, que "deixa tudo como está" e tem como corolário a idéia de que "a única tarefa que restou à filosofia é a análise da linguagem" -radicalmente oposta, portanto, àquela de transformar o mundo, formulada por Marx nas "Teses sobre Feuerbach". Associada à filosofia analítica, a obra de Wittgenstein tem duas fases. A primeira, do "Tractatus" (1921), é uma "figuração de realidade", uma série de proposições lógicas cujas estruturas são símiles do real. A segunda, das "Investigações Filosóficas" (1953), enfoca os "jogos de linguagem" em que o significado de uma expressão não se dá pelo valor de verdade, mas pelo uso pragmático. Em ambas, temos uma filosofia que se limita ao esclarecimento dos próprios limites e denuncia as falsas questões metafísicas (porque sem resposta possível). Se a impressão que fica é a de um pensamento exangue, Wittgenstein lança entre seus fragmentos a indicação de que "ética e estética são uma só", apontando para outra esfera de conhecimento, como na seqüência final do "Tractatus": "Há por certo o inefável. Isso se "mostra", é o Místico"; "Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar". Em "Wittgenstein!", a personagem-título mostra aquilo que seus aforismos tentaram exorcizar. Da casa paterna freqüentada por artistas como Mahler e Gustav Klimt ao suicídio de três irmãos, das trincheiras da Primeira Guerra à vida monástica numa cabana da Noruega e ao trabalho no laboratório de um hospital londrino, as memórias são quadros de idílio e pesadelo que vêm perturbar a obsessão com o controle da própria linguagem. Cada cena se abre com parágrafos numerados do "Tractatus" -que, dizia Wittgenstein, eram como uma escada que deveria ser jogada fora após termos subido por ela. Contador Borges não imagina o que encontramos lá em cima ("Não há como exprimir a morte"); antes, esboça a demência coreografada de um gênio que, como Stendhal, entrevia na beleza uma "promessa de felicidade" -mas que (expressão de Eagleton) preferiu habitar o "coração da negatividade". WITTGENSTEIN! Autor: Contador Borges Editora: Iluminuras Quanto: R$ 26 (80 págs.) Avaliação: ótimo Texto Anterior: Crítica: Obra registra feridas com olhar humanista Próximo Texto: Refugiada somali narra suas duas vidas Índice |
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