São Paulo, terça, 3 de novembro de 1998

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O piano em três aulas de Oscar Peterson

Reprodução
O pianista Oscar Peterson, que se apresenta quinta, dia 5, e segunda, dia 9, no teatro Municipal de São Paulo



O pianista mais técnico do jazz fala à Folha sobre as três apresentações que fará em SP quinta e segunda (Municipal) e domingo (Ibirapuera)


CARLOS CALADO
especial para a Folha

O público de São Paulo terá três raras chances de conferir ao vivo o talento e o estilo polêmico de Oscar Peterson -um dos pianistas de jazz mais gravados em toda a história do gênero.
O canadense fará dois concertos no Teatro Municipal (quinta, dia 5, e segunda, dia 9), além de se apresentar na praça da Paz, no parque do Ibirapuera, no próximo domingo, com entrada franca. Já amanhã, entre 19h e 20h, ele autografa seus discos, na Saraiva Music Hall do Shopping Eldorado.
A elegância musical e o apego à tradição de Peterson, 73, não o livraram de enfrentar críticas, ao longo de sua carreira, iniciada nos anos 40. Desde então, tocou com vários grandes músicos do gênero, de Count Basie a Charlie Parker.
Há quem veja uma certa falta de sentimento em suas frases velozes e prolixas, geralmente carregadas de notas, embora embasadas em uma técnica prodigiosa.
Um ataque cardíaco quase o afastou de vez dos palcos em 93, mas sua perseverança o manteve compondo e tocando. Nos três shows, Peterson estará acompanhado por Niels-Henning Pedersen (contrabaixo), Ulf Wakenius (guitarra) e Martin Drew (bateria).
Em entrevista à Folha por telefone, Peterson respondeu a seus críticos, elogiou os jazzistas mais jovens e antecipou alguns números de seu repertório.

Folha - Em 1954, o sr. declarou à revista "Down Beat" que não faria parte da cena do do jazz por muito tempo. O que o fez mudar de idéia?
Oscar Peterson -
O que me mantém tocando piano até hoje é a crença que eu tenho na música de Duke Ellington, Dizzy Gillespie, Count Basie, Ella Fitzgerald e alguns outros músicos especiais como esses. Na época em que fiz aquela afirmação, havia muita gente fazendo experimentações que alguns teimavam chamar de jazz. Na minha opinião, aqueles sujeitos estavam matando o verdadeiro movimento do jazz.
Folha - Como foi passar um tempo sem poder tocar?
Peterson -
Foi muito difícil, porém aquele período permitiu que eu me dedicasse mais a compor. Durante esse tempo escrevi várias músicas que vou tocar em São Paulo, como "When Summer Comes" e "Backyard Blues". Também vou tocar "Brazilian Nights", inspirada na minha última visita ao Brasil.
Folha - O programa inclui algum tributo a George Gershwin?
Peterson -
Sim. Nós já nos acostumamos a tocar uma ou duas composições de Gershwin nos concertos. Desta vez vamos fazer o mesmo com Duke Ellington.
Folha - O sr. ainda é pessimista em relação à cena do jazz?
Peterson -
Não tanto quanto eu era 40 anos atrás. Hoje temos músicos jovens que conhecem a música que existiu antes deles e utilizam essa bagagem, o que eu acho muito saudável. Falo de músicos talentosos, como Benny Green e Mike LeDonne.
Folha - Conhece Cyrus Chestnut?
Peterson -
Ainda não.
Folha - Esses jovens podem garantir o futuro do jazz?
Peterson -
Não sei, mas eles são grandes músicos e estão tentando prolongar a vida do jazz.
Folha - Em uma entrevista recente, o sr. disse que hoje os músicos estão mais interessados no dinheiro do que na arte...
Peterson -
Eu disse isso porque as gravadoras estão mais interessadas em quantos discos você pode vender e não em quão bem você pode tocar. Acho que isso incomoda bastante os músicos jovens.
Folha - Qual é sua resposta aos críticos que o acusam de usar mais a técnica do que o sentimento?
Peterson -
Eles são completamente surdos. Disseram a mesma coisa sobre Art Tatum, e isso faz com que eu me sinta honrado.
Folha - Como se combina técnica e sentimento na música?
Peterson -
O mais importante é a emoção. Depois vem a execução. Essa é a razão pela qual eu costumo dizer a meus alunos que, se você tem algo importante a dizer, precisa dominar o vocabulário.
Folha - Também já o acusaram de não ter coragem para assumir certos riscos na música, de se preocupar somente com a forma...
Peterson -
Na verdade, eu não costumo ouvir os críticos. A maioria deles não sabe do que está falando por uma simples razão: eles não são músicos. É o mesmo que alguém criticar um zagueiro de futebol sem saber jogar.



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