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GASTRONOMIA
O prratô da senhorrá estavá bom?
NINA HORTA
Colunista da Folha
Todo mundo se lembra do fenômeno Carla Perez. Dançava bem,
rebolava com toda a garra e bunda que Deus lhe deu, jovem, divertida, alegre.
Depois apareceu o primeiro clone. Depois o segundo, o terceiro, o
milionésimo. De repente a TV estava forrada de "carlas" de todas
as cores, imitando o sorriso, o cabelo, o short, rebolando de quebrar a cintura. Elas próprias matando a primeira "carla", a galinha dos ovos de ouro, e se suicidando devagarinho, é o que esperamos.
Mas o que tem o tchan a ver
com restaurantes?
Tudo.
Meus gulosos leitores. O que
aconteceu? A "nouvelle cuisine",
ou a suposta nova cozinha, com
sua delicada estética de pratos,
seus ingredientes tenros, está rodando sobre si mesma, num pé só,
prestes a cair de tonta, vítima de
seu próprio rebolado.
Vejamos: aquela couve que vem
em pirâmide no prato, sustentando o filé, ao lado do purê de mandioquinha. Está feita segundo a
ciência mineira? Foi cortada bem
fina, temperada com sal antes de
ser assustada na frigideira, ou está lá no prato como enfeite, só para levantá-lo, é grossa e aferventada?
A técnica do bem fazer a comida acompanhou a revolução?
Eu, ferrenha adepta da "nouvelle cuisine", estou pelas tampas de
suas sequelas. Também não sei o
que fazer, com medo de, ao jogar
fora a água do banho, jogar a
criança junto. O que se aproveitar? Pelo menos um princípio básico: o bom ingrediente, mexendo-se pouco com ele.
Andei agora por estes brasis,
frequentando o que se costuma
chamar de ótimos restaurantes.
Comi do bom e do melhor, pelo
menos o que se considera o bom e
o melhor, e me deu um tédio, uma
sensação de déjà vu, uma preguiça mortal. Mas, passeando pela
praia, lembrei-me de um filé de
pescada frito na hora, passado na
farinha de trigo, com batatas cozidas, simples, que é servido nos
bares de praia. De umas sardinhas assadas de botequins. De
uns bacalhaus. De umas coxinhas
e empadinhas. Do arroz com feijão preto. E me deu saudade.
Comi piccata d'aiguillette baronne de veau a la crème de foie
gras. Pannequet de saumon fumé
farci de son tartare de saumon
frais aux herbes, uma delícia. O
chef era francês e falava carregando nas sílabas finais. "O prratô da senhorrá estavá bom?"
Francês com sotaque fala assim?
Não fala. Isto é pronúncia do Ronald Golias. Francês com sotaque
engole as sílabas finais. "U prrát
da sinhór estav bon?" Suspeito
que ele já deve estar brasileiro da
gema, mas precisa falar francês
para gozar a fama. Suspeitas, suspeitas, nada mais que suspeitas.
Em todo o caso, vou tomar minhas providências caseiras. Dar
umas férias de seis meses àqueles
anéis de alumínio de PVC que se
usam para moldar a comida no
meio do prato e chamá-la de terrine. Fora. Férias para os fígados,
framboesas, vinagres exóticos,
noix de St. Jacques, abacate com
jerimum, todo e qualquer tempero que mascare o gosto original.
Ao diabo aquele delicioso pudinzinho de chocolate quente,
pois que os revolucionários devem ser radicais. Não vai ser sem
lágrimas e decaídas que deixo de
lado o crême brulée de um belo e
paulistano chef francês. Abaixo a
sopa gelada de frutas vermelhas.
Por um tempo. Férias.
Vou começar com um arroz
branco solto e vou adicionando
acompanhamentos. Ovo frito, por
exemplo. Feijoada, não abro
mão. Voltemos às tortas, com extremo cuidado, dosando o palmito, o camarão e o frango, deixando-os cremosos para que não se
pareçam com terrines. Um belo
bife com batatas fritas ainda é um
teste para o bom cozinheiro, banindo o chutney de manga e funcho por baixo. Comida japonesa
pode continuar na sua singeleza
complicada. Aliás, todas as etnias
têm seu lugar firme, só não vamos
misturá-las ao deus-dará.
Na realidade, estou clamando
para que os bons cozinheiros continuem fazendo o que quiserem,
como quiserem, que sempre terão
nossa fome. Acontece que eles são
poucos. Enquanto não nos infundem sua sabedoria, chega de clonar, de imitar, de rebolar sem ter
bunda graciosa, entenderam? No
mais, vamos continuar fazendo o
que sabemos fazer bem, hélas, experimentando devagarinho, até
alcançarmos a perfeição cuidadosa, seja com o tambaqui ou o salmão...
E-mail: ninahort@uol.com.br
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