São Paulo, Sexta-feira, 03 de Dezembro de 1999


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RECEITAS DO MELLÃO
Tomate seco para um proletário

HAMILTON MELLÃO JUNIOR
Colunista da Folha

Como qualquer boteco digno desse nome, aqui no nosso bar Estudantes Paulistas também temos um representante da ditadura do proletariado.
Ele acode por Vermelho, embora prefira o tratamento de Comandante Rojo. Cabelos à Jesus Cristo, barba idem, passa os dias sorumbático, encarando circunstantes burgueses enquanto assobia a "Internacional".
Anos atrás, largou o PT por achar que ele havia se transformado num partido de direita e agora se diz um raskolnikovista, seja lá o que for isso.
Habitualmente quieto, transforma-se, contudo, quando encontra uma menor púbere. Aí seu corpo se altera, cresce e estica e, de cima a baixo, ele é todo comunista. Passa então a enfiar ideais na jovem e a filar dela cervejas e cigarros.
Há anos vemos seu "modus operandi" e algumas brigas que já se deram, porque, uns e outros, na ebriedade, o chamaram de "comedor de criancinha".
O bar é seu aparelho, sua célula. Até no banheiro ele faz proselitismo, deixando panfletos mimeografados -que usamos indefectivelmente para fins escusos.
O proprietário e nosso principal credor, Mané Bode, costumava deixar (por atávica consciência de classe), no final da noite, junto à chapa, um singelo sanduíche de mortadela. E Vermelho o aceitava por ser, conforme acreditava, o alimento com a menor mais-valia agregada.
Há pouco tempo, abriu perto da esquina um sofisticado "lounge". Noite dessas, depois de umas e outras (mais outras que umas), nosso amigo, tomado por heroísmo revolucionário, resolveu fazer ali uma expropriação etílica ou quiçá tentar conseguir converter algum frequentador no "bom burguês".
Ao adentrar o recinto, com ares de bandoleiro, viu, estupefato, mortadelas em profusão, por todas as mesas, de todos os tipos e em todos os pratos.
Hoje, quase refeito do choque e mais taciturno do que nunca, pede, humilde, ao Mané Bode nos fins de noite: "Companheiro Manoel, não posso mais com mortadela. Seria possível um pouco de tomate seco para este proletário?".

E-mail: mellao@uol.com.br


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