|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RECEITAS DO MELLÃO
Tomate seco para um proletário
HAMILTON MELLÃO JUNIOR
Colunista da Folha
Como qualquer boteco digno
desse nome, aqui no nosso bar Estudantes Paulistas também temos
um representante da ditadura do
proletariado.
Ele acode por Vermelho, embora prefira o tratamento de Comandante Rojo. Cabelos à Jesus
Cristo, barba idem, passa os dias
sorumbático, encarando circunstantes burgueses enquanto assobia a "Internacional".
Anos atrás, largou o PT por
achar que ele havia se transformado num partido de direita e agora
se diz um raskolnikovista, seja lá o
que for isso.
Habitualmente quieto, transforma-se, contudo, quando encontra uma menor púbere. Aí seu
corpo se altera, cresce e estica e, de
cima a baixo, ele é todo comunista. Passa então a enfiar ideais na
jovem e a filar dela cervejas e cigarros.
Há anos vemos seu "modus
operandi" e algumas brigas que já
se deram, porque, uns e outros,
na ebriedade, o chamaram de
"comedor de criancinha".
O bar é seu aparelho, sua célula.
Até no banheiro ele faz proselitismo, deixando panfletos mimeografados -que usamos indefectivelmente para fins escusos.
O proprietário e nosso principal
credor, Mané Bode, costumava
deixar (por atávica consciência de
classe), no final da noite, junto à
chapa, um singelo sanduíche de
mortadela. E Vermelho o aceitava
por ser, conforme acreditava, o
alimento com a menor mais-valia
agregada.
Há pouco tempo, abriu perto da
esquina um sofisticado "lounge".
Noite dessas, depois de umas e
outras (mais outras que umas),
nosso amigo, tomado por heroísmo revolucionário, resolveu fazer
ali uma expropriação etílica ou
quiçá tentar conseguir converter
algum frequentador no "bom
burguês".
Ao adentrar o recinto, com ares
de bandoleiro, viu, estupefato,
mortadelas em profusão, por todas as mesas, de todos os tipos e
em todos os pratos.
Hoje, quase refeito do choque e
mais taciturno do que nunca, pede, humilde, ao Mané Bode nos
fins de noite: "Companheiro Manoel, não posso mais com mortadela. Seria possível um pouco de
tomate seco para este proletário?".
E-mail: mellao@uol.com.br
Texto Anterior: Frangó promove degustação de cerveja Próximo Texto: Mundo Gourmet - Josimar Melo: Sushis são o forte do Akassaka Índice
|