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ARTIGO
Na tela, uma mina e um cano
GILBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha
Em um livro clássico sobre a comunicação de massa, o arguto sociólogo francês Edgar Morin sintetizou o cinema roliudiano pelo
binômio, escrito em inglês: "A
film is a girl and gun". Traduzindo: "Um filme é uma guria e um
revólver".
Na gíria de São Paulo, a receita
para um filme de sucesso é a fórmula "Uma mina e um cano". Ou
seja: mulher (de preferência peladona) e tiro. A indústria pornô.
Sangue e pistola.
O binômio "girl-gun" reaparecerá em todos os filmes destinados a explorar o gosto da massa
seduzida pela violência imprescindível ao "bad movie" comercial. Sem esquecer aquele detalhe
de que o treisoitão, segundo a psicanálise, funciona como símbolo
fálico: o revólver seria uma alusão
ou um substituto do pênis.
No cinema são os homens que
filmam as mulheres. Recentemente o cineasta Jean-Luc Godard filmou e, ao mesmo tempo,
escreveu "História do Cinema". O
velho Godard, "god" em Nova
York, mostra que o cinema está
baseado no sexo e na morte, a
condição do homem mortal e sexual.
Eu me lembro de um texto do filósofo Hegel, que não chegou a
conhecer o cinema, dizendo que a
invenção da arma de fogo mudara a concepção universal da morte.
Quando se diz revólver é comum associá-lo à mão que puxa o
gatilho.
A mão que afaga é a mesma que
apedreja, segundo o poeta punk
Augusto dos Anjos.
Não é por acaso que na história
do cinema a mão ganha sempre
destaque.
A mão de John Wayne. A mão
de Elizabeth Taylor. A mão de Hitler. Dir-se-ia que o cinema é a
história da mão. Afinal, a mão é
fundamental na montagem cinematográfica, conforme a foto famosa do cineasta russo Eisenstein; de resto, é possível identificar se determinada pessoa é cineasta pelo modo de gesticular as
mãos.
Hoje o binômio cinematográfico "girl-gun" não se faz com o revólver de Humphrey Bogart nem
com a espingarda papagaio amarelo de Maurício do Vale no sertão setentrional dos Brasis. O dispositivo técnico e fetichista da
violência reacionária atingiu o zênite com os efeitos especiais da
"metralhadora xuazinéguer".
Curiosamente, no cinema americano de massa, é cada vez maior
a ênfase visual na arma de fogo,
enquanto assistimos atualmente
ao desencadear da guerra invisível, como foi o caso da Guerra do
Golfo, o videogame bélico do dólar com petróleo.
À Internet, caberá a função
ideológica de fazer esquecer o extermínio.
Gilberto Vasconcellos é professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz
de Fora (MG) e autor de "O Príncipe da Moeda" (ed. Espaço e Tempo), entre outros
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