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LIVROS
HISTÓRIA/ENSAIO
Obras de Michael Herr e Paul Virilio ligam guerra à sétima arte
Lançamentos mergulham o cinema no coração das trevas
MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL
"Se você mata por dinheiro, é
um mercenário. Se mata
por prazer, é um sádico. Se mata
pelos dois, é um Boina Verde." Os
soldados no Vietnã se divertiam
com piadas como essa. Junto deles ria Michael Herr, repórter que
passeou por meses com a credencial da revista "Esquire". Não escreveu quase nada. Mas, oito anos
depois, produziu o melhor livro já
escrito sobre o conflito.
Para Herr e para os anos 60,
bem entendido, melhor livro não
significa uma análise geopolítica.
Para sorte dos leitores e do cinema, ele criou um grande relato autobiográfico que bebe na fonte do
"new journalism" e mergulha nos
"swinging sixties", na cultura hippie e no rock.
Quanto mais baixa a patente do
soldado, mais Herr se sentia à
vontade. Descreve o conflito da
única maneira racional: como
caos. Para ele, a guerra era literalmente "sexy", uma experiência
que deixaria saudades.
No livro, explora mitos criados
pelo establishment, depois transformados pela cultura pop: as
operações de busca e destruição
("search and destroy"), a estratégia de conquistar "corações e
mentes" etc.
As imagens foram bem aproveitadas por Francis Ford Coppola
em "Apocalipse Now" (1979), o
filme que criou um novo gênero
do cinema americano. Está tudo
no livro. O balé dos helicópteros, a
pirotecnia ensandecida, a catástrofe transformada em espetáculo
irresistível, o olhar perplexo e fascinado dos que caminhavam pelo
"vale da morte".
Coppola procurou mimetizar o
mergulho metafísico de Joseph
Conrad no horror da colonização
africana, mas o repertório de Herr
(que também cita "O Coração das
Trevas", de Conrad) é mais amplo: Hemingway, Graham Greene, imagens bíblicas, a conquista
do Oeste, os traumas da Guerra
da Secessão e a memória do fracasso francês no mesmo Vietnã.
A visão ao mesmo tempo mítica, pessoal e épica de Herr foi tão
influente que despertou outro
monstro sagrado do gênero, Stanley Kubrick. Foi consultor de
Kubrick em "Nascido para Matar". E virou mesmo uma espécie
de fiador de Kubrick em sua fase
final, escrevendo a biografia "Kubrick" (ed. Grove Press, 98 págs,
US$ 12 - R$ 27). Também rascunhou para Coppola um dos roteiros de "On the Road", adaptação
do livro de Jack Kerouac, projeto
agora assumido pelo brasileiro
Walter Salles (mas que não vai
utilizar o trabalho de Herr).
Guerra e Cinema
Se Herr criou um certo imaginário da guerra apropriado pelo cinema, outro livro faz o caminho
inverso. "Guerra e Cinema", ensaio do francês Paul Virilio agora
reeditado, mostra como o cinema
abasteceu a guerra desde o início
do século 20 -conceitualmente e
tecnologicamente.
O livro foi escrito no longínquo
ano de 1983, mas não perdeu sua
atualidade. Virilio faz um rico inventário do intercâmbio entre cinema e guerra, indo muito além
de mostrar a indústria do cinema
transformada em propaganda de
guerra. Procura indicar como cinema e guerra são indústrias tecnológicas desenvolvidas para manipular a percepção. E como se
alimentam mutuamente.
Despachos do Front
Autor: Michael Herr
Tradução: Ana Maria Bahiana
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 39,90 (256 págs.)
Guerra e Cinema
Autor: Paul Virilio
Tradução: Paulo Roberto Pires
Editora: Boitempo
Quanto: R$ 33 (208 págs.)
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