São Paulo, sábado, 03 de dezembro de 2005

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LIVROS

HISTÓRIA/ENSAIO


Obras de Michael Herr e Paul Virilio ligam guerra à sétima arte

Lançamentos mergulham o cinema no coração das trevas

MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

"Se você mata por dinheiro, é um mercenário. Se mata por prazer, é um sádico. Se mata pelos dois, é um Boina Verde." Os soldados no Vietnã se divertiam com piadas como essa. Junto deles ria Michael Herr, repórter que passeou por meses com a credencial da revista "Esquire". Não escreveu quase nada. Mas, oito anos depois, produziu o melhor livro já escrito sobre o conflito.
Para Herr e para os anos 60, bem entendido, melhor livro não significa uma análise geopolítica. Para sorte dos leitores e do cinema, ele criou um grande relato autobiográfico que bebe na fonte do "new journalism" e mergulha nos "swinging sixties", na cultura hippie e no rock.
Quanto mais baixa a patente do soldado, mais Herr se sentia à vontade. Descreve o conflito da única maneira racional: como caos. Para ele, a guerra era literalmente "sexy", uma experiência que deixaria saudades.
No livro, explora mitos criados pelo establishment, depois transformados pela cultura pop: as operações de busca e destruição ("search and destroy"), a estratégia de conquistar "corações e mentes" etc.
As imagens foram bem aproveitadas por Francis Ford Coppola em "Apocalipse Now" (1979), o filme que criou um novo gênero do cinema americano. Está tudo no livro. O balé dos helicópteros, a pirotecnia ensandecida, a catástrofe transformada em espetáculo irresistível, o olhar perplexo e fascinado dos que caminhavam pelo "vale da morte".
Coppola procurou mimetizar o mergulho metafísico de Joseph Conrad no horror da colonização africana, mas o repertório de Herr (que também cita "O Coração das Trevas", de Conrad) é mais amplo: Hemingway, Graham Greene, imagens bíblicas, a conquista do Oeste, os traumas da Guerra da Secessão e a memória do fracasso francês no mesmo Vietnã.
A visão ao mesmo tempo mítica, pessoal e épica de Herr foi tão influente que despertou outro monstro sagrado do gênero, Stanley Kubrick. Foi consultor de Kubrick em "Nascido para Matar". E virou mesmo uma espécie de fiador de Kubrick em sua fase final, escrevendo a biografia "Kubrick" (ed. Grove Press, 98 págs, US$ 12 - R$ 27). Também rascunhou para Coppola um dos roteiros de "On the Road", adaptação do livro de Jack Kerouac, projeto agora assumido pelo brasileiro Walter Salles (mas que não vai utilizar o trabalho de Herr).

Guerra e Cinema
Se Herr criou um certo imaginário da guerra apropriado pelo cinema, outro livro faz o caminho inverso. "Guerra e Cinema", ensaio do francês Paul Virilio agora reeditado, mostra como o cinema abasteceu a guerra desde o início do século 20 -conceitualmente e tecnologicamente.
O livro foi escrito no longínquo ano de 1983, mas não perdeu sua atualidade. Virilio faz um rico inventário do intercâmbio entre cinema e guerra, indo muito além de mostrar a indústria do cinema transformada em propaganda de guerra. Procura indicar como cinema e guerra são indústrias tecnológicas desenvolvidas para manipular a percepção. E como se alimentam mutuamente.


Despachos do Front
    
Autor: Michael Herr
Tradução: Ana Maria Bahiana
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 39,90 (256 págs.)

Guerra e Cinema
   
Autor: Paul Virilio
Tradução: Paulo Roberto Pires
Editora: Boitempo
Quanto: R$ 33 (208 págs.)


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