São Paulo, sexta-feira, 03 de dezembro de 2010

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CRÍTICA DRAMA

Godard cria perverso jogo de adivinhação e aliena fãs

Em "Film Socialisme", o diretor se transforma em adversário do público

ANDRÉ BARCINSKI
CRÍTICO DA FOLHA

Enquanto cineastas buscam expandir seu púbico e atrair cada vez mais gente para salas de cinema, Jean-Luc Godard faz o inverso: impõe tantas barreiras que o público acaba desistindo.
Há pelo menos meio século, ele tenta libertar o cinema de uma certa ditadura do olhar. Desafiando fórmulas e clichês, abriu os horizontes do cinema e criou uma nova forma de apreciá-lo.
Bem diferente do que fez em "Film Socialisme", seu mais recente filme-ensaio, um perverso jogo de adivinhação em que o público tenta descobrir que diabos o mestre quis dizer. A impressão é que Godard passou de cúmplice a adversário de seu público.
Uma coisa é usar o cinema como plataforma de experimentações estilísticas, o que Godard fez como ninguém. Outra é fazer um filme tão criptografado a ponto de alienar até o fã mais obsessivo.

LEGENDAS À DERIVA
Para dificultar de vez qualquer tipo de compreensão, Godard quis impedir que o filme fosse legendado devidamente em português.
Algumas cópias foram distribuídas com legendas que trazem apenas palavras que condensam o significado das frases e deixam à deriva quem não fala francês.
Mas há também versões com as legendas completas em cartaz. Desde que "Film Socialisme" foi exibido em Cannes, críticos vêm dando diferentes interpretações. Entre os temas abordados por Godard estariam o envelhecimento da Europa, a globalização, uma suposta "invenção de Hollywood" pelos judeus, a questão palestina, entre outros.
Mas a verdade é que o filme é uma coleção de imagens tão fragmentada e desconexa que dá margem a infinitas interpretações. Pense num tema, e eventualmente alguma analogia surgirá.
O filme é dividido em três partes. Na primeira, um navio viaja pelo Mediterrâneo. Alguns passageiros discutem filosofia e história, outros dançam numa discoteca. Até a poetisa punk Patti Smith aparece, com um violão.
Na segunda parte, uma equipe de TV filma o cotidiano de uma família interiorana. Num posto de gasolina, uma menina lê Balzac e uma lhama, isso mesmo, uma lhama fica amarrada a uma bomba de petróleo.
Na última parte, usa imagens de arquivo faroestes americanos, filmes de Charles Chaplin e até "O Encouraçado Potemkin" (1925) para ilustrar temas como a globalização, os confrontos entre israelenses e palestinos e a fome. O filme termina com a frase "Sem comentários".
O único convencional em "Film Socialisme" é o preço do ingresso. Aí, nada de experimentação: é pagar os cobres de sempre para ver a mais nova pirraça de Godard.

FILM SOCIALISME

DIREÇÃO Jean-Luc Godard
PRODUÇÃO França/Suíça, 2010
COM Catherine Tanvier, Jean Marc Stehlé e Patti Smith
ONDE no cine Reserva Cultural
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO péssimo


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