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LITERATURA
"A Vida de Lima Barreto", biografia escrita em 1952 por Francisco de Assis Barbosa, volta com novos prefácios
Atrás da muralha do silêncio
NICOLAU SEVCENKO
ESPECIAL PARA A FOLHA
É um grande prazer saudar o
lançamento da nova edição, a
oitava, de "A Vida de Lima Barreto", escrita por Francisco de Assis
Barbosa (1914-1991). De volta à
sua editora original, a José Olympio, a nova edição vem enriquecida de dois belos prefácios, de Otto
Lara Rezende (1922-1992) e Beatriz Resende, além de uma nota
introdutória na orelha, escrita pelo professor Antonio Arnoni Prado, da Unicamp.
Essa é provavelmente a biografia mais louvada da literatura brasileira. Para se ter idéia, ela foi celebrada e consagrada por críticos
do gabarito de Sérgio Buarque de
Holanda (1902-1982), Gilberto
Freyre (1900-1987) e Antonio
Candido e também por escritores
como José Lins do Rego, Rachel
de Queiroz e Manuel Bandeira
(1886-1968). Não resisto a reproduzir o juízo ponderado e agudo
com que ela foi recebida pelo crítico Tristão de Ataíde (1893-1983).
"Foi destacada como a melhor
biografia de um escritor brasileiro
já publicada em nossa língua. Foi
escrita com um cuidado, uma objetividade, uma paciência, uma
elegância de estilo, um critério de
relação documental e acima de
tudo com um amor, sem desvario, que realmente fazem dessa
biografia qualquer coisa à altura
do biografado. Creio que basta dizer isso para dizer tudo. Temos
nela um modelo e uma lição, de
como a verdade e a beleza, quando se entrelaçam, não há quem
lhes resista."
Em meio à sua vida atribulada
de redator-chefe da lendária "Última Hora" de Samuel Wainer,
Barbosa levou cerca de seis anos
para compor esse trabalho. Em
sua carreira no jornalismo, passou também, entre outros, pelo
"Correio da Manhã", "Diário Carioca" e Folha.
Como ele mesmo relata no prefácio à primeira edição, tudo começou quando o editor Zélio Valverde o encarregou, em 1946, de
organizar as obras completas de
Lima Barreto. Ele entrou em contato com a família e recebeu uma
massa de documentos, literários e
pessoais, zelosamente guardados
pela irmã do escritor, dona Evangelina, no guarda-louças de sua
casa. O projeto da edição das
obras naufragou, então ele decidiu ir adiante com a biografia.
Na sua modesta avaliação, Barbosa considerou a biografia como
"uma singela narrativa literária".
Mas o fato é que o livro teve um
extraordinário impacto no momento em que veio a público, em
1952, em meio ao processo de redemocratização da vida brasileira, pós-guerra e pós-Vargas.
Na sequência, o historiador
Caio Prado Jr. (1907-1990), para
quem Lima Barreto era "o maior e
mais brasileiro dos nossos romancistas", sendo então o editor
da Brasiliense, resolveu retomar o
projeto da publicação das suas
obras completas.
Para comandar a iniciativa encarregou Barbosa, o qual se acercou de Manoel Cavalcanti Proença e Antônio Houaiss para enfrentar o desafio.
A publicação, em 1956, das
"Obras de Lima Barreto", em 17
volumes, todos prefaciados pela
fina flor da crítica e da intelectualidade, juntamente com a biografia, são um marco da cultura brasileira na segunda metade do século 20. Esses dois trabalhos não
só reavaliaram a posição do escritor na historia literária do país,
como projetaram para o primeiro
plano um período até então relativamente obscuro e que se revelaria decisivo para a compreensão
do Brasil contemporâneo.
Inspirados nessas fontes prodigiosas, toda uma nova geração de
pesquisadores as tomariam como
material estratégico para estudar
a consolidação do regime e da sociedade republicana.
A biografia interagia às maravilhas com as obras completas, na
medida em que os escritos de Lima Barreto têm um caráter fortemente confessional, e Barbosa os
articulou com as sucessivas fases
da vida do escritor, urdindo numa trama habilidosa as vicissitudes dramáticas da sua existência,
uma densa imaginação crítica e literária e as dores de gestação do
Brasil moderno.
Por sua origem humilde e sua
sensibilidade aguçada, Lima Barreto produziu uma das mais raras
e profundas percepções da realidade social brasileira vista de baixo para cima, julgando os poderosos pela indignação dos injustiçados. Pagou um preço alto por isso.
A elite letrada cercou a força de
sua obra com uma muralha de silêncio por um longo tempo. Foi
esse muro que Barbosa pôs por
terra, revelando os tesouros que
ele ocultava. Leitura obrigatória
em tempos de virada.
Nicolau Sevcenko, 50, é professor de
história da cultura da USP e autor de "Orfeu Extático na Metrópole" (Companhia
das Letras), entre outros
A Vida de Lima Barreto
Autor: Francisco de Assis Barbosa
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 45 (458 págs.)
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