São Paulo, domingo, 04 de janeiro de 2004

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JAZZ

Quatro dos maiores nomes do gênero têm CDs fundamentais lançados pela primeira vez, em série que chega a 75 títulos

Miles + Coltrane + Monk + Evans, sem legendas

Folha Imagem
O pianista Bill Evans, que tem dois CDs lançados no Brasil, incluindo o clássico "Walts for Debby"


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Não é qualquer dia, e talvez seja este o primeiro, que uma coleção de CDs de jazz no Brasil chega a 75 títulos. A façanha é da série Fantasy Jazz, que a BMG vem lançando desde o Natal de 2002. A quarta fornada de discos, que chegou há pouco nas prateleiras, apresenta ao formato CD pela primeira vez no país pelo menos três dessas obras que se poderia enfiar numa cápsula do tempo como exemplos do que foi o jazz.
Entre eles está um dos trabalhos mais bonitos da história do gênero, o clássico "Waltz for Debby", que Bill Evans gravou em 1961.
Última gravação do trio mais importante do pianista, e um dos triângulos mais bem desenhados que o jazz já viu, o disco foi o canto de cisne do baixista Scott LaFaro. Menos de 15 dias depois dessa sessão, no clube nova-iorquino Village Vanguard, o músico sofreu um acidente de carro e morreu. Tinha 25 anos e era a grande esperança do contrabaixo.
"Waltz for Debby" não é um disco de esperança. O trabalho, que saiu do mesmo concerto gravado no excelente "Sunday at the Village Vanguard" (que a BMG já lançou aqui), é mais bem um expoente de romantismo -um romântico que não tem nenhum gene de "robertocarlismos".
Lição de razão e sensibilidade, muito mais de sensibilidade do que de razão, "Waltz" é o disco que deu a Bill Evans (1929-1980) a reputação de um pianista "impressionista". A mesma delicadeza que o pintor francês Claude Monet mostrara na percepção das sutilezas da luz ele parece ter dos chiaroscuros do piano.
Se no pacote de CDs da Fantasy (maior conglomerado jazzístico do mundo) está essa última sessão de um dos grandes trios do gênero, ele apresenta também a primeira gravação de um dos quintetos mais redondos do jazz.
"Cookin'" é o marco zero da parceria do "Picasso" Miles Davis com o sax tenor sem igual de John Coltrane e uma cozinha com Red Garland (piano), Paul Chambers (baixo), Philly Joe Jones (bateria).
Juntos, eles gravaram ainda as obras-primas do jazz moderno "Relaxin'", "Steamin'" e "Workin'" (os dois primeiros já saíram aqui em pacotes anteriores desta coleção). Em 1957, depois de dois anos de história, se separaram.
"Cookin'" tem a mesma receita dos demais títulos. Dentro da árvore genealógica, o quarteto de discos fica no galho do hard bop, gênero que fundiu três das melhores coisas da história jazzística (o apreço pelo improviso, que vinha do bebop, a contenção elegante do cool e o suingue, que sempre tivera importância no jazz, até ser posto em segundo plano justo no bebop e no cool).
O álbum, que tem como um dos pontos altos o "hino" hard bop "Airegin", de Sonny Rollins, evidencia Miles e Coltrane em alguns dos momentos mais musculosos de suas trajetórias.
Algo diferente acontece no terceiro grande destaque do pacote, em que Coltrane encontra o pianista mais original do jazz.
Gravado um ano depois do que "Cookin'", "Thelonious Monk with John Coltrane" fala com inteligência sobre lirismo. Feito só de pedras angulares de Monk, temas como "Ruby, My Dear", "Trinkle, Tinkle" e "Epistrophy", o CD mostra a dupla de gigantes fazendo jazz em feitio de oração.
Monk está mais "meditativo", mais contido do que o seu normal. Coltrane, mesmo trabalhando com um fraseado repleto de notas, segue no mesmo diapasão.
Bill Evans, Miles Davis, Thelonious Monk e John Coltrane, quatro pilares da sabedoria do jazz moderno, já tinham algo lançado no Brasil, mas uma das maiores contribuições da série da BMG/ Fantasy é o lançamento de trabalhos de nomes inéditos (ou semi) nos CDs brasileiros.
Entre os 15 lançamentos de agora, este é o caso de Bobby Timmons (excelente pianista de soul jazz que chega com um quase ótimo disco), Red Garland (de quem sai agora o primeiro, e excelente, disco como líder) ou o saxofonista Art Pepper, que já desembarcara em fornadas anteriores da BMG e agora volta com o louvável "Meets the Rhythm Section".
Em meio a tantos altos, entre outros sobre os quais aqui não se falou, a coleção jazzística esbarra em um detalhe. Ainda que os discos sejam anunciados como "remasterizados em 20 BIT", o que garantiria qualidade superior de som, os CDs ainda apresentam aqui e acolá problemas na equalização. É só ajuste fino.


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