|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA
Projeção de filmes produzidos entre as décadas de 30 e 50 relembra os 75 anos da companhia de Adhemar Gonzaga
Clássicos da Cinédia são exibidos no CCBB
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
A idéia era que, fazendo bons filmes, o público viria naturalmente, encheria os cinemas para ver
os filmes brasileiros. Adhemar
Gonzaga precisou empenhar sua
herança, comprar equipamentos
em Hollywood, montar o primeiro estúdio de cinema de verdade
no Brasil para descobrir que a coisa não funciona bem assim.
Não funciona assim hoje, que
dirá em 1930, quando a Cinédia
começou a funcionar e deu início
à trajetória que se homenageia a
partir de hoje na notável retrospectiva dedicada aos 75 anos da
companhia, que se realiza no
CCBB. Essa trajetória é uma demonstração da capacidade de
adaptação de Gonzaga e seus colaboradores a um ambiente hostil.
Não só ambiente hostil, na verdade, mas também, no início, a
inexperiência e as turbulências
por que passava o cinema por volta de 1930. O começo foi animador, pois Gonzaga conseguira
reunir os principais talentos que
se haviam revelado nos anos 20,
começando pelo mineiro Humberto Mauro, diretor de "Lábios
sem Beijos", primeiro filme da
companhia. O tempo logo mostrou que a opção pelo filme mudo
não tinha futuro, o que obrigou a
Cinédia a mudar de estratégia.
Desencantado, também, com o
público de elite, que não acompanhara sua idéia de filmes "de qualidade", Gonzaga volta-se ao sonoro e à cultura popular carioca,
produzindo (e dirigindo) "Alô,
Alô Carnaval", até hoje a maior
reunião de astros musicais já feita
em um filme brasileiro.
Se não foi o maior sucesso da
companhia, "Alô, Alô Carnaval"
permanece, até hoje, como o mais
completo documento existente
sobre a música popular brasileira
dos anos 30, graças ao encontro
de gente como Carmen e Aurora
Miranda, Linda e Dircinha Batista, Almirante, Mario Reis.
O maior sucesso mesmo veio
em 1946, quando Gilda de Abreu
dirigiu seu marido, Vicente Celestino, em "O Ébrio". Foi o "2 Filhos
de Francisco" da época, e muita
gente jura que até hoje este é o
maior sucesso do cinema brasileiro. De todo modo, o sucesso é um
critério de avaliação meio duvidoso. "Ganga Bruta", de Humberto
Mauro, é o exemplo mais evidente de filme que fracassou na época
e depois tornou-se clássico. Mas o
espectador atento observará, certamente, as qualidades de "Mulher", de Octavio Gabus Mendes,
um clássico ainda à espera de reconhecimento mais amplo.
De todo modo, o sucesso é coisa
esporádica no cinema brasileiro.
Em vez do sonho da indústria,
que Gonzaga e os amigos sonharam, a Cinédia precisou sobreviver às muitas crises fazendo documentários para o governo e produções rápidas e baratas (estas
em geral confiadas a Luiz de Barros, autor, entre outros, de "Berlim na Batucada"). No meio disso
vieram os grandes esforços, como
"Bonequinha de Seda", em que a
produção refinada não condiz, no
entanto, com o roteiro precário e
acaba parecendo uma peça solta.
Em seus êxitos e fracassos, a Cinédia é um resumo primoroso
desses últimos 75 anos de cinema
brasileiro, do sonho industrial e
das ilusões da "qualidade", de êxitos artísticos sem público, de formação teórica insuficiente, de incompreensão do público e indiferença oficial. É uma história, enfim, que está longe de acabar.
Texto Anterior: Política cultural: Objetivo de documento é "cabeça" de Sá Leitão, diz cineasta Próximo Texto: Comodoro apresenta terror italiano Índice
|