São Paulo, quarta-feira, 04 de janeiro de 2006

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CINEMA

Projeção de filmes produzidos entre as décadas de 30 e 50 relembra os 75 anos da companhia de Adhemar Gonzaga

Clássicos da Cinédia são exibidos no CCBB

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

A idéia era que, fazendo bons filmes, o público viria naturalmente, encheria os cinemas para ver os filmes brasileiros. Adhemar Gonzaga precisou empenhar sua herança, comprar equipamentos em Hollywood, montar o primeiro estúdio de cinema de verdade no Brasil para descobrir que a coisa não funciona bem assim.
Não funciona assim hoje, que dirá em 1930, quando a Cinédia começou a funcionar e deu início à trajetória que se homenageia a partir de hoje na notável retrospectiva dedicada aos 75 anos da companhia, que se realiza no CCBB. Essa trajetória é uma demonstração da capacidade de adaptação de Gonzaga e seus colaboradores a um ambiente hostil.
Não só ambiente hostil, na verdade, mas também, no início, a inexperiência e as turbulências por que passava o cinema por volta de 1930. O começo foi animador, pois Gonzaga conseguira reunir os principais talentos que se haviam revelado nos anos 20, começando pelo mineiro Humberto Mauro, diretor de "Lábios sem Beijos", primeiro filme da companhia. O tempo logo mostrou que a opção pelo filme mudo não tinha futuro, o que obrigou a Cinédia a mudar de estratégia. Desencantado, também, com o público de elite, que não acompanhara sua idéia de filmes "de qualidade", Gonzaga volta-se ao sonoro e à cultura popular carioca, produzindo (e dirigindo) "Alô, Alô Carnaval", até hoje a maior reunião de astros musicais já feita em um filme brasileiro.
Se não foi o maior sucesso da companhia, "Alô, Alô Carnaval" permanece, até hoje, como o mais completo documento existente sobre a música popular brasileira dos anos 30, graças ao encontro de gente como Carmen e Aurora Miranda, Linda e Dircinha Batista, Almirante, Mario Reis.
O maior sucesso mesmo veio em 1946, quando Gilda de Abreu dirigiu seu marido, Vicente Celestino, em "O Ébrio". Foi o "2 Filhos de Francisco" da época, e muita gente jura que até hoje este é o maior sucesso do cinema brasileiro. De todo modo, o sucesso é um critério de avaliação meio duvidoso. "Ganga Bruta", de Humberto Mauro, é o exemplo mais evidente de filme que fracassou na época e depois tornou-se clássico. Mas o espectador atento observará, certamente, as qualidades de "Mulher", de Octavio Gabus Mendes, um clássico ainda à espera de reconhecimento mais amplo.
De todo modo, o sucesso é coisa esporádica no cinema brasileiro. Em vez do sonho da indústria, que Gonzaga e os amigos sonharam, a Cinédia precisou sobreviver às muitas crises fazendo documentários para o governo e produções rápidas e baratas (estas em geral confiadas a Luiz de Barros, autor, entre outros, de "Berlim na Batucada"). No meio disso vieram os grandes esforços, como "Bonequinha de Seda", em que a produção refinada não condiz, no entanto, com o roteiro precário e acaba parecendo uma peça solta.
Em seus êxitos e fracassos, a Cinédia é um resumo primoroso desses últimos 75 anos de cinema brasileiro, do sonho industrial e das ilusões da "qualidade", de êxitos artísticos sem público, de formação teórica insuficiente, de incompreensão do público e indiferença oficial. É uma história, enfim, que está longe de acabar.


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