|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"GHOST DOG" - CRÍTICA
Samurai negro glamouriza violência
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
O exílio, o deslocamento geográfico e, sobretudo, os curtos-circuitos culturais constituem o
tema central de Jim Jarmusch.
Seus primeiros filmes ("Estranhos no Paraíso", "Down by
Law", "Mistery Train") mostravam estrangeiros perdidos na
América. Era um jeito de ver os
EUA de modo enviesado e crítico.
A partir do western "Dead
Man", Jarmusch sofisticou essa
noção de desterro e desencontro
cultural: seus personagens são
norte-americanos estrangeiros
em seu próprio país.
É o caso de "Ghost Dog" (Forest
Whitaker), um matador profissional regido por uma ética inspirada na filosofia oriental. É um samurai negro a serviço de um
gângster americano.
Ghost Dog mora no alto de um
prédio abandonado, onde cria
pombos e leva um pacato dia-a-dia. Seu único amigo é um sorveteiro, Raymond (Isaach de Bankolé), imigrante antilhano de língua francesa. Como Raymond
não fala uma palavra de inglês, e
Ghost Dog não entende patavina
de francês, os dois se entendem
por uma conversa de surdos
-um dos achados mais divertidos do filme.
Outro ponto alto é a comédia de
erros que se desencadeia quando
alguns gângsteres, que nunca viram Ghost Dog, são encarregados
de eliminá-lo. Jarmusch trabalha
bem nesse registro do erro, do
mal-entendido, do absurdo.
Mas há em "Ghost Dog" dois aspectos preocupantes. Um deles é
a perda de energia do cinema de
Jarmusch, em favor de uma duvidosa elegância, feita de cacoetes
estilísticos: narrativa compassada, câmera lenta, "fade out" (escurecimento da imagem) como
ligação usual entre as sequências,
introdução de pequenos textos
"filosóficos" etc. A experimentação degenerada em pose.
O segundo ponto é mais delicado. Como tantos cineastas americanos, Jarmusch acaba aqui, talvez sem perceber, por glamourizar e justificar a violência.
A ironia diante do orientalismo
superficial de Ghost Dog é neutralizada pela simpatia que se cria
pelo personagem. Um homem
charmosamente excêntrico e misterioso, amigo de pombos e crianças, pode matar sem culpa.
Avaliação:
Filme: Ghost Dog
Produção: EUA, 1999
Direção: Jim Jarmusch
Elenco: Forest Whitaker, John Tormey,
Isaach de Bankolé
Onde: a partir de hoje nos cines Belas
Artes Oscar Niemeyer e Jardim Sul 8
Texto Anterior: Cinema - Estréias: Unir som e imagem dá prazer, diz Jarmusch Próximo Texto: "O Viajante": Filme de Saraceni é um desses anacronismos magníficos Índice
|