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LIVROS
Enciclopédia traz africanos e sua diáspora
JOHN THORNTON
do "The New York Times Book Review"
Na
breve
introdução
que fazem a "Africana", Kwame
Anthony Appiah e Henry Louis
Gates Jr. reivindicam para si o
grande projeto da vida de W. E. B.
Du Bois: criar uma enciclopédia
dos africanos e afro-americanos.
Tendo trabalhado nela de maneira intermitente desde 1909, Du
Bois morreu em Gana, em 1963,
sem completá-la. E ali ela permaneceu, como tributo inacabado a
sua memória.
A "Encyclopedia Africana" de
Du Bois era um projeto da primeira metade do século 20, com
seus problemas e desafios próprios.
Ao mesmo tempo em que reconhecem o valor do trabalho de Du
Bois, Appiah e Gates não estão especialmente interessados em trilhar o mesmo caminho. Professores de Harvard, membros eminentes do que pode ser chamada
de a nova intelligentsia negra e
mais ancorados na cultura dominante norte-americana do que
qualquer líder negro da época de
Du Bois poderia ser, buscaram
criar uma enciclopédia um pouco
diferente da dele, adequada ao
mundo de hoje.
Seu enfoque é profundamente
global; cerca de 40% do livro é dedicado a verbetes relativos à África, e uma parte muito considerável ao Caribe e à América Latina, o
que muitos leitores norte-americanos enxergarão como sendo em
detrimento da ênfase sobre os Estados Unidos.
Mas é claramente essa a intenção dos autores: situar os afro-americanos num mundo mais
amplo e mais complexo do que a
maioria dos norte-americanos
normalmente enxerga. As pessoas que gostam de folhear enciclopédias em busca de curiosidades -e este é um livro maravilhoso para leitores desse tipo- encontrarão uma multidão de verbetes sobre líderes políticos, personalidades culturais e heróis esportivos africanos, latino-americanos e das Índias Ocidentais de
origem africana, pessoas sobre as
quais provavelmente nunca ouviram falar.
Os editores querem que essa
diáspora mundial seja vista em
perspectiva histórica. O artigo
"Raça na América Latina", por
exemplo, explica a evolução das
idéias relativas a raça e, especialmente, miscigenação racial ao
longo dos séculos na América do
Sul. Outro verbete -um dos mais
longos do livro- trata do quilombo de Palmares, um Estado
criado por escravos fugitivos no
Brasil do século 17.
Appiah e Gates deixam a declaração política mais contundente
de "Africana" a cargo da ênfase
global do livro e não tanto do conteúdo dos próprios verbetes.
Exemplo: embora Gates seja um
crítico contundente dos elementos racistas e anti-semitas presentes no nacionalismo negro norte-americano radical, os verbetes sobre Louis Farrakhan e a Nação do
Islã são redigidos em tom cuidadosamente neutro, enfatizando a
dignidade e autonomia do movimento, e não suas frequentes manifestações de racismo.
No campo da história africana,
igualmente repleto de dúvidas, os
editores deixam que o design fale
mais alto do que o conteúdo. Dão
amplo espaço à história do Egito,
ao lado das da Núbia e da Etiópia,
e, tratando o Egito como parte da
África, reivindicam sua história
para os afro-americanos.
Mas confiam o tema a acadêmicos do mainstream, que evitam a
questão politicamente carregada
da identidade racial nos verbetes
propriamente ditos.
Deixando de lado o foco sobre o
Egito e o nordeste africano, o tratamento dado à África como um
todo é decepcionante. As civilizações da África atlântica constituem as verdadeiras raízes das
populações afro-americanas de
hoje, em todo o hemisfério ocidental. Apesar disso, embora o tema ganhe espaço generoso, o
conteúdo é pouco inspirador. Boa
parte dele consiste em verbetes
muito curtos sobre dúzias de grupos étnicos diferentes. Diferentemente dos artigos que tratam da
civilização do vale do Nilo, os verbetes relativos aos reinos históricos mais importantes da África
atlântica -Congo, Oyo, Asante e
Dahomey- não foram escritos
por especialistas renomados e
não há ensaios interpretativos referentes à região.
Mesmo sobre impérios mais
importantes entre esses, os verbetes são curtos, raramente ocupando mais de uma coluna (pouco
mais do que o espaço dedicado à
revista "Essence").
De fato, um dos poucos ensaios
que integram o livro é dedicado
ao comércio de escravos atravessando o Atlântico, fato que deixa
a impressão de que a única coisa
digna de nota na história da África atlântica é seu envolvimento
com a escravidão.
Erros infelizes são cometidos
até mesmo nos verbetes curtos. A
parte referente ao reino de Congo,
por exemplo, situa a decadência
do reino a partir do século 16 e do
comércio escravista português,
sendo que as pesquisas mais recentes identificam o século 17 como a era de ouro do Congo. Erros
menores podem ser encontrados
em toda parte. Os leitores que esperavam que "Africana" pudesse
ser uma fonte de informações
confiáveis serão decepcionados.
As maiores contribuições a
"Africana" talvez sejam seus ensaios, que funcionam como a seção "Macropédia" da "Encyclopaedia Britannica", apontando
conexões que podem não estar indicadas nos verbetes pontuais. É
uma pena que muitos dos belos
ensaios mais curtos não sejam
destacados, mas apenas incluídos
na lista total, entre centenas de
outros verbetes. Exemplo: o leitor
só vai encontrar o ótimo ensaio
"Grupos Étnicos Africanos na
América Latina e Caribe", de Rosanne Adderley, que trata do significado da etnia na África e entre
os escravos americanos, e outra
pequena jóia intitulada "Os Críticos da Escravidão na Era Colonial", de Liliana Obregón, se vasculhar a lista geral de verbetes.
"Africana" traz muitos verbetes
sobre personalidades populares
dos mundos cultural e esportivo
(coisa que possivelmente teria sido deplorada por Du Bois, de
perspectiva frequentemente elitista), e sabe apontar ligações culturais diversas, como se pode ver
no verbete relativo ao rap, que
aponta suas raízes no "toasting"
jamaicano e no soul. Por outro lado, avaliar o que terá significado
duradouro nem sempre é fácil.
Vários artistas do rap ganham
verbetes diferentes (é o caso de
Run-D.M.C., Tupac Shakur e Puff
Daddy, entre outros), refletindo o
interesse de longa data nutrido
por Gates pelo gênero. No entanto, mulheres igualmente influentes -Chaka Khan, Mary J. Blige e
Lauryn Hill- nem sequer são
mencionadas.
Mas essas críticas não alteram o
fato de que "Africana" será uma
ferramenta muito útil, com o potencial de determinar novos padrões e modificar atitudes em relação à experiência africana e
afro-americana. Com isso, deve
alcançar as metas de seus autores,
e até mesmo as de Du Bois.
John Thornton, professor de história na
Universidade Millersville, na Pensilvânia
(EUA), é autor de "Africa and Africans in the
Making of the Atlantic World, 1400-1680" e
"The Kongolese St. Anthony".
Tradução Clara Allain
Livro: Africana: The Encyclopedia of the
African and African American Experience
Organização: Kwame Anthony Appiah
e Henry Louis Gates Jr.
Editora: Basic Civitas Books/ Perseus
Books Group, Nova York
Quanto: US$ 42 (2.095 págs.)
Onde encomendar: www.amazon.com
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