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São Paulo, terça-feira, 04 de fevereiro de 2003

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CRÍTICA

"Micróbio" pernambucano é pleno século 21

DA REPORTAGEM LOCAL

Se frevo é tema que por si só exala cheiro de saudosismo, é bom que se saiba que sua presença no "Projeto Micróbio do Frevo", de Silvério Pessoa, existe muito mais como pretexto que como objetivo final.
Ouve-se no disco que o frevo à moda de Jackson do Pandeiro comportava melodias deliciosas e sagazes versos mínimos, mas mais importante aqui é o objetivo de interceptação presente em cada segundo do CD de Pessoa.
Já no "Micróbio do Frevo" do início, o frevinho manso é esfaqueado por invasões urbanas, alienígenas, a partir de uma vinheta protagonizada por um disco voador. No início do frevo, Silvério aciona aviso pirata: é "o Carnaval dos cínicos" que virá. Ao final, modernos recursos tecnológicos transportam o frevo ao túnel do tempo, sob texto incidental corrosivo de Ascenso Ferreira.
"Me Dá um Cheirinho" chega candidata a melhor faixa, com duelos matadores entre gandaia carnavalesca e a percussão vocal e de cuíca de Naná Vasconcelos. Lembrando a fase ácida de Alceu Valença, Silvério intervém no frevinho sobre lança-perfume ("O delegado não quer que eu cheire isso, não"): "Let's trip", "let's fly".
"Minha Marcação" não deixa de ser frevo, mas vira dub, reggae, pop mineiro e mangue beat com a intervenção do grupo local Eddie. Nova interferência nas ondas do rádio: Zé Brown, rapper do grupo Faces do Subúrbio, faz "Elaboração do Frevo" sob batida entre Miami bass, funk carioca e electro. O rap agradece o frevo, a metrópole louva o interior.
"Tá Como o Diabo Gosta" causa espanto maior: programações, vozes distorcidas e a participação eletrônica do Re:combo avisam que frevo é mano do drum'n'bass.
"Papel Crepom" é sintética ao limite: a mítica Almira Castilho conversa, o jovem músico erudito (e de frevo) Spok adapta o arranjo de Pixinguinha, o frevo-canção orquestrado toca banjo alucinado, uma ritualística batucada de bamba despenca no final.
Mais frevo-canção acontece em "Balanço do Frevo", em que o escorregador macio da melodia, do cavaquinho mangue beat e da voz de Mônica Feijó é descontinuado pela gilete cortante de loucas programações eletrônicas.
"Tô com a Macaca" introduz o alien que faltava: o Via Sat ataca três guitarras de rock, o que adiante será levado ao paroxismo do punk de Canisso, China e Ajax, na disco-hardcore "Frevo do Bi".
Em "Sonata no Frevo" (um "frevo em bossa nova", segundo a letra), Silvério curte com a cara de João Gilberto, parodiando sem piedade seu modo de cantar.
Ainda faltam o sambinha quase carioca "Vou Gargalhar", um remix e... o indescritível tecno-frevo "Frevibe", pelo Digital Groove.
Talvez Silvério Pessoa ainda olhe demais ao século passado, escondendo suas canções atrás dos totens. Mas hoje fica mais evidente que o passado é mesmo só pretexto e que o novo "Micróbio do Frevo" é pleno século 21.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Batidas Urbanas - Projeto Micróbio do Frevo     
Artista: Silvério Pessoa
Lançamento: independente (encomendas pelo tel. 0/xx/81/9967-7815 ou bateomanca@uol.com.br)
Quanto: R$ 20



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