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Músico Silvério Pessoa moderniza lado menos conhecido de Jackson do Pandeiro
Frevo alienígena
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
O forrozeiro Jackson do Pandeiro também criou frevos, e frevo
ainda é um gênero moderno à beça. O músico pernambucano Silvério Pessoa, 39, quer retirar do
esquecimento a primeira afirmação e de quebra provar a validade
da segunda. Ex-líder da banda
pós-mangue beat Cascabulho, ele
dedica àquele universo os 54 minutos de seu segundo álbum solo,
"Batidas Urbanas - Projeto Micróbio do Frevo".
O CD traz 13 frevos interpretados (e às vezes também compostos) pelo eclético Jackson, mais
faixas-homenagens especialmente criadas, um remix e uma experiência de "tecno-frevo" moldada
pelos colegas pernambucanos do
Digital Groove. Almira Castilho,
ex-mulher e parceira de Jackson,
participa de "Papel Crepom".
A lista de convidados é gigante,
reunindo desde boa parte da crescente comunidade musical jovem
do Recife até o veterano percussionista Naná Vasconcelos, ídolo
que passou incólume pelos conflitos locais de gerações.
Pessoa diz que o projeto, independente, só pôde ser concretizado graças a leis estaduais de incentivo, e mesmo assim sob muita desconfiança.
"Ninguém acreditava no disco,
nem a Secretaria de Cultura. Alguns achavam que, se era para homenagear o frevo, devia ser com
Capiba", conta o artista, citando
entre os obstáculos o fato de Jackson do Pandeiro (1919-82) ser paraibano, e não pernambucano.
Ele admite a intenção provocadora de eleger um forrozeiro paraibano para prestar tributo ao
frevo, no Estado que é tido como
terra natal do gênero e que viu
nascer seus principais inventores
e divulgadores, Capiba e Nelson
Ferreira.
"É uma provocação, mas que
pode resultar numa melhor compreensão do que foram as orquestras de frevo. Jackson frequentou
a orquestra de jazz do pai de Capiba, em Campina Grande (PB). Ele
foi um paraibano com certa
nuance de alma bastante pernambucana", morde/assopra.
A provocação avança pelas intervenções "modernas" que os
frevos vão sofrendo ao longo do
CD: "A gente tentou desarrumar
um pouco a tradição, encontrar
um hibridismo entre o frevo e as
várias vertentes da música urbana
contemporânea. Aí temos Zé
Brown (do grupo Faces do Subúrbio) fazendo rap, o drum'n'bass
do Re:combo, o hardcore de Canisso (Devotos) e China (ex-Sheik
Tosado)".
"A tradição do frevo ainda é oligárquica em Pernambuco, então
quisemos dar uma descontinuidade a isso, mas com uma despretensão maluca. Não foi premeditado. Fomos chamando as pessoas, e as coisas foram acontecendo dentro do estúdio mesmo."
A pesquisa para o disco foi elaborada por José Manuel Pereira
de Lemos, que também apresentou a Pessoa o repertório de Jacinto Silva, explorado no CD anterior, "Bate o Mancá" (2001).
Centra-se na produção carnavalesca de Jackson, que rendeu cerca de 80 canções entre 1954
(quando ele gravou sua estréia no
gênero, "Micróbio do Frevo") e o
final dos anos 60.
O músico especula sobre o porquê de a face carnavalesca de
Jackson ter sido soterrada pelo
tempo: "Segundo Almira Castilho, essas músicas despertaram
ciúme no Rio de Janeiro, onde estavam os compositores do samba
e das escolas. Jackson foi morar
no Rio e com o tempo acabou
dando prioridade à veia do forró".
Ele segue pelo fio da história
perdida: "Esses LPs, que estão todos fora de catálogo, não traziam
crédito nenhum, mas se sabe que
os arranjos eram feitos por gente
como Pixinguinha, Severino
Araújo, Moacir Santos e outros".
O fio vem dar em sua própria
história, de compositor escondido atrás das revisitações desde a
saída do Cascabulho (que por sua
vez já tinha por hábito homenagear o lado forró de Jackson):
"Tive que fazer minha alma encontrar um chão firme para pisar.
Na saída da banda precisei readquirir confiança em mim. Fui
criado dentro de engenho, voltar
à obra do (migrante alagoano) Jacinto Silva foi uma afirmação da
minha etnia, do "Povo dos Canaviais" [subtítulo do disco "Bate o
Mancá']".
Continua: "No rádio de minha
cidade, Carpina, era isso que ouvia. Jackson, Jacinto, Marinês,
Nelson Gonçalves, Núbia Lafayette. Quando vim para a cidade ser
office-boy e bancário, descobri
outras maneiras, vi prédio muito
grande, frequência modulada. O
novo disco é uma migração transversa, de quem deixa o massapê,
descobre a cidade e volta ao passado e à terra natal com esse som
que ouviu na cidade".
E já prevê os passos futuros:
"Sinto-me seguro em dizer que o
próximo disco vai ser duplo e de
músicas próprias. Depois do Carnaval começo a pré-produção,
mapeando ladainhas e músicas
dos romeiros do interior".
Não fosse suficiente tanto crossover, "Micróbio do Frevo" é dedicado não somente a Jackson, mas também ao multinacional
Frank Zappa. Silvério Pessoa explica: "Zappa saía de orquestra
sinfônica e ia fazer rockabilly, usava o princípio da descontinuidade. A genialidade do Jackson era muito semelhante a isso".
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