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"RAY"
Com seis indicações ao Oscar, filme de Taylor Hackford mostra episódios sombrios da vida do músico
Diretor expõe fragilidade de Charles
LUCIANA COELHO
DE NOVA YORK
Quando decidiu filmar a vida do
músico americano Ray Charles,
morto em junho do ano passado
aos 73 anos, o diretor Taylor
Hackford queria drama. Mostrar
a história de um sujeito que saiu
do nada e, em suas palavras, mudou a cultura de um país.
Parecia algo fácil. Afinal, Ray
cresceu no sul dos EUA, em meio
à pobreza extrema e em uma época onde os negros eram subcidadões; assistiu à morte do irmão
caçula e ficou cego aos sete anos.
Nem mesmo a fase bem-sucedida
de sua vida foi calma: dependência de heroína, casamento à beira
do colapso, muitas amantes. Mas
para chegar ao resultado visto em
"Ray", que estréia hoje nos cinemas brasileiros, Hackford penou.
"Ray Charles era muito forte e
independente", lembrou o diretor
em uma entrevista da qual a Folha participou em outubro último, época do lançamento do filme nos EUA. "Isso é ótimo, mas
não para o drama. Eu precisava de
vulnerabilidades para contar a
história, mas Ray nunca as mostrava. Ele dizia, "minha vida foi
boa, um monte de gente viveu
muito pior do que eu"."
Escavando episódios tristes e
soturnos da vida do ídolo soul,
Hackford conseguiu seu intento
-passou até um pouco da conta.
Mas se a história nas telas reflete
essa busca obsessiva de um diretor pelas fraquezas de seu personagem, ela também tem impressos o otimismo e a alegria quase
inabaláveis do músico.
Em grande parte, o mérito é de
Jamie Foxx. O timing de comediante do ator -que no Brasil é
mais conhecido pelos dramas
"Um Domingo Qualquer" (1999)
e "Colateral" (2004), mas cuja carreira começou na comédia- e
sua paixão pelo piano casaram
com o papel, permitindo-lhe ir
além dos trejeitos caricaturais.
Pela façanha, Foxx entrou em
todas as listas de premiações da
temporada -o mais importante
recebido até agora é o Globo de
Ouro. No próximo dia 27, tem
grande chance de ganhar o Oscar.
Sucesso
Hackford escolheu seu protagonista ao saber que ele tocava piano -o diretor insiste que não tinha ninguém em mente durante
boa parte dos 15 anos que levou
para concretizar o projeto.
Muito do que se vê e se ouve no
filme é obra de Foxx, que captou o
senso de autoironia do músico
com maestria. "Jamie colocou um
monte de coisas no texto que não
estavam lá", diz o diretor.
Apesar da alta dose de drama
buscada por Hackford, o filme é
pouco condescendente com Ray.
Ainda mais se levado em conta
que se trata de uma cinebiografia
aprovada pelo próprio músico.
"Gênios são complicados. Ray
Charles não era um amor de pessoa. Ele era fascinante, mas podia
ser um tremendo sacana. Era um
artista brilhante, mas não um ser
humano sem falhas", diz Hackford, cujo currículo vai do brilhante "Quando Éramos Reis" ao
o medíocre "Prova de Vida".
Tal fascínio fica explícito em números: são seis indicações ao Oscar, semanas encabeçando a bilheteria americana e dois milhões
de DVDs e VHS vendidos nos
EUA em dois dias.
O filme mostra da infância de
Ray na Geórgia até seu retorno ao
Estado, nos anos 70, para receber
uma homenagem das autoridades locais após ter sua "Georgia
on My Mind" banida por vários
anos. É um período no qual a sociedade americana mudou -e
para Hackford, parte dessa mudança se deve a Ray. "Ainda somos um país racista. Mas temos
uma sociedade um pouco mais
integrada culturalmente do que
antes. E, nisso, Ray ajudou."
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