São Paulo, sexta-feira, 04 de fevereiro de 2005

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"RAY"

Com seis indicações ao Oscar, filme de Taylor Hackford mostra episódios sombrios da vida do músico

Diretor expõe fragilidade de Charles

LUCIANA COELHO
DE NOVA YORK

Quando decidiu filmar a vida do músico americano Ray Charles, morto em junho do ano passado aos 73 anos, o diretor Taylor Hackford queria drama. Mostrar a história de um sujeito que saiu do nada e, em suas palavras, mudou a cultura de um país.
Parecia algo fácil. Afinal, Ray cresceu no sul dos EUA, em meio à pobreza extrema e em uma época onde os negros eram subcidadões; assistiu à morte do irmão caçula e ficou cego aos sete anos. Nem mesmo a fase bem-sucedida de sua vida foi calma: dependência de heroína, casamento à beira do colapso, muitas amantes. Mas para chegar ao resultado visto em "Ray", que estréia hoje nos cinemas brasileiros, Hackford penou.
"Ray Charles era muito forte e independente", lembrou o diretor em uma entrevista da qual a Folha participou em outubro último, época do lançamento do filme nos EUA. "Isso é ótimo, mas não para o drama. Eu precisava de vulnerabilidades para contar a história, mas Ray nunca as mostrava. Ele dizia, "minha vida foi boa, um monte de gente viveu muito pior do que eu"."
Escavando episódios tristes e soturnos da vida do ídolo soul, Hackford conseguiu seu intento -passou até um pouco da conta. Mas se a história nas telas reflete essa busca obsessiva de um diretor pelas fraquezas de seu personagem, ela também tem impressos o otimismo e a alegria quase inabaláveis do músico.
Em grande parte, o mérito é de Jamie Foxx. O timing de comediante do ator -que no Brasil é mais conhecido pelos dramas "Um Domingo Qualquer" (1999) e "Colateral" (2004), mas cuja carreira começou na comédia- e sua paixão pelo piano casaram com o papel, permitindo-lhe ir além dos trejeitos caricaturais.
Pela façanha, Foxx entrou em todas as listas de premiações da temporada -o mais importante recebido até agora é o Globo de Ouro. No próximo dia 27, tem grande chance de ganhar o Oscar.

Sucesso
Hackford escolheu seu protagonista ao saber que ele tocava piano -o diretor insiste que não tinha ninguém em mente durante boa parte dos 15 anos que levou para concretizar o projeto.
Muito do que se vê e se ouve no filme é obra de Foxx, que captou o senso de autoironia do músico com maestria. "Jamie colocou um monte de coisas no texto que não estavam lá", diz o diretor.
Apesar da alta dose de drama buscada por Hackford, o filme é pouco condescendente com Ray. Ainda mais se levado em conta que se trata de uma cinebiografia aprovada pelo próprio músico.
"Gênios são complicados. Ray Charles não era um amor de pessoa. Ele era fascinante, mas podia ser um tremendo sacana. Era um artista brilhante, mas não um ser humano sem falhas", diz Hackford, cujo currículo vai do brilhante "Quando Éramos Reis" ao o medíocre "Prova de Vida".
Tal fascínio fica explícito em números: são seis indicações ao Oscar, semanas encabeçando a bilheteria americana e dois milhões de DVDs e VHS vendidos nos EUA em dois dias.
O filme mostra da infância de Ray na Geórgia até seu retorno ao Estado, nos anos 70, para receber uma homenagem das autoridades locais após ter sua "Georgia on My Mind" banida por vários anos. É um período no qual a sociedade americana mudou -e para Hackford, parte dessa mudança se deve a Ray. "Ainda somos um país racista. Mas temos uma sociedade um pouco mais integrada culturalmente do que antes. E, nisso, Ray ajudou."


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