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Crítica/"Anjos da Noite"
Ironia marca ode à noite de SP dos anos 80
COLUNISTA DA FOLHA
Lançado apressadamente pela crítica na vala
comum do cinema paulista "néon-realista" dos anos
80, "Anjos da Noite" (1987), de
Wilson Barros (1948-1992),
chega ao DVD com virtudes
que passaram despercebidas na
época de seu lançamento.
Ao emaranhar as histórias de
vários personagens da noite
paulistana, o que chamou primeiro a atenção no filme, há 20
anos, foi uma certa afetação
modernosa, feita de muito brilho, néon e contraluz. Passou
batido o olhar irônico lançado
por Barros àquela idéia de modernidade que São Paulo -ou
uma parte de sua "elite"- começava a fazer de si mesma.
"Anjos da Noite" pode ser lido hoje como uma ode e ao
mesmo tempo uma crítica
àquela São Paulo que se via como um tipo de Nova York filmada por Wenders. Há, por
exemplo, a tragicômica performance de um artista de vanguarda (José Rubens Chachá).
Quatro tramas principais se
entrelaçam habilmente. Em
primeiro plano, uma ricaça negra (Zezé Motta) dirige uma
agência de acompanhantes e
arquiva em vídeo depoimentos
de figuras da vida noturna (os
tais "anjos da noite").
Há um ator transformista
(Chiquinho Brandão) que mata
um amante e vai dar um show
numa boate. Há também um
garoto de programa (Guilherme Leme) que se desentende
com o namorado (Marco Nanini) por causa de uma diva veterana (Marília Pêra). Por fim,
um diretor de teatro (Antônio
Fagundes) tenta levar para a
cama uma candidata a atriz.
A todo momento a narrativa
discute o jogo entre o real e a
representação. Um assassinato
encenado de modo veraz revela-se uma cena de uma peça;
um homicídio cometido de fato
numa rua congestionada é visto
como a rodagem de um filme.
Em "Anjos", tais jogos metalingüísticos estão de tal modo imbricados às histórias narradas
que não chegam a incomodar.
A coragem de arriscar, o prazer de produzir imagens belas,
o olhar ao mesmo tempo carinhoso e implacável aos indivíduos à margem são, ao lado do
grande talento de Chiquinho
Brandão, qualidades que mantêm vivo esse filme imperfeito,
cuja proposta ética e estética se
explicita na epifania final.
(JGC)
ANJOS DA NOITE
Direção: Wilson Barros
Lançamento: Europa
Quanto: só para locação
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