São Paulo, domingo, 04 de fevereiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/"Anjos da Noite"

Ironia marca ode à noite de SP dos anos 80

COLUNISTA DA FOLHA

Lançado apressadamente pela crítica na vala comum do cinema paulista "néon-realista" dos anos 80, "Anjos da Noite" (1987), de Wilson Barros (1948-1992), chega ao DVD com virtudes que passaram despercebidas na época de seu lançamento.
Ao emaranhar as histórias de vários personagens da noite paulistana, o que chamou primeiro a atenção no filme, há 20 anos, foi uma certa afetação modernosa, feita de muito brilho, néon e contraluz. Passou batido o olhar irônico lançado por Barros àquela idéia de modernidade que São Paulo -ou uma parte de sua "elite"- começava a fazer de si mesma.
"Anjos da Noite" pode ser lido hoje como uma ode e ao mesmo tempo uma crítica àquela São Paulo que se via como um tipo de Nova York filmada por Wenders. Há, por exemplo, a tragicômica performance de um artista de vanguarda (José Rubens Chachá).
Quatro tramas principais se entrelaçam habilmente. Em primeiro plano, uma ricaça negra (Zezé Motta) dirige uma agência de acompanhantes e arquiva em vídeo depoimentos de figuras da vida noturna (os tais "anjos da noite").
Há um ator transformista (Chiquinho Brandão) que mata um amante e vai dar um show numa boate. Há também um garoto de programa (Guilherme Leme) que se desentende com o namorado (Marco Nanini) por causa de uma diva veterana (Marília Pêra). Por fim, um diretor de teatro (Antônio Fagundes) tenta levar para a cama uma candidata a atriz.
A todo momento a narrativa discute o jogo entre o real e a representação. Um assassinato encenado de modo veraz revela-se uma cena de uma peça; um homicídio cometido de fato numa rua congestionada é visto como a rodagem de um filme.
Em "Anjos", tais jogos metalingüísticos estão de tal modo imbricados às histórias narradas que não chegam a incomodar. A coragem de arriscar, o prazer de produzir imagens belas, o olhar ao mesmo tempo carinhoso e implacável aos indivíduos à margem são, ao lado do grande talento de Chiquinho Brandão, qualidades que mantêm vivo esse filme imperfeito, cuja proposta ética e estética se explicita na epifania final. (JGC)


ANJOS DA NOITE    
Direção:
Wilson Barros
Lançamento: Europa
Quanto: só para locação


Texto Anterior: DVDs- Crítica/"Sem Sol" e "La Jetée": Marker faz ensaios sobre o desconcerto
Próximo Texto: Nas lojas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.