São Paulo, quarta, 4 de fevereiro de 1998

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Brasil na rota do tráfico de CDs

Explosão do mercado interno de discos e combate ineficiente à pirataria fazem do país um alvo fácil de quadrilhas internacionais; artistas populares são os mais pirateados

Rachel Guedes/Folha Imagem
Material pirata apreendido pela polícia


RENATO FRANZINI
da Redação

Depois de perder a guerra com os piratas locais de fitas cassete -em 97, de cada 19 fitas vendidas no país, só uma era legítima-, a indústria fonográfica brasileira começa a enfrentar um novo inimigo: o pirata internacional de CDs.
O fato ficou claro após duas megaapreensões de discos falsos realizadas no Paraná nos últimos dois meses. Os artistas pirateados são campeões de vendas no país, como João Paulo e Daniel, Banda Eva e Zezé di Camargo e Luciano. Todos são brasileiros, mas os discos, não. Vieram de fábricas clandestinas da Ásia, segundo a polícia.
Na primeira apreensão, em 10 de dezembro de 97, a Polícia Federal achou mais de 120 mil CDs piratas em um depósito em Maringá. No dia 2 de janeiro, a Receita Federal confiscou carga com 206.350 CDs no aeroporto de Foz do Iguaçu.
O total de mais de 326 mil CDs é quase três vezes a soma de todas as apreensões realizadas no país nos anos de 95, 96 e 97: 119.984 CDs, sem contar com os de Maringá.
Os dados de apreensões são da Apdif (Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos), a entidade criada em 1995 pela ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Discos) para combater a pirataria -o crime de violação dos direitos autorais.
"Essas duas apreensões estão entre as três maiores já realizadas no mundo. O Brasil virou alvo dos piratas", disse o secretário-geral da Apdif, Márcio Cunha Gonçalves, 26. Segundo Gonçalves, a razão disso é que o país é um mercado gigante e com baixa repressão.
Gonçalves afirma que antes da fundação da Apdif a polícia nem ia atrás de material pirata porque achava que não era algo sério.
A pirataria se proliferou e, nos últimos anos, o Brasil se tornou um mercado muito atraente. Já é o sexto maior do mundo, com vendas estimadas em US$ 1,4 bilhão, contra US$ 262,4 milhões em 92.
De acordo com Gonçalves, o medo das multinacionais instaladas no país é que os piratas internacionais exterminem o mercado legal de CDs, assim como os piratas locais fizeram com o de fitas.
Qualidade
O mercado brasileiro de fitas, que atingiu 7,7 milhões de unidades em 95, caiu para 4,8 milhões, em 96, e 3,4 milhões, em 97. O mercado pirata é estimado em 60 milhões de unidades ao ano.
O motivo: vendidas sobretudo em camelôs e postos de estrada, as fitas piratas chegam ao consumidor ao preço médio de R$ 2, contra R$ 7 das originais.
No caso dos CDs, além da concorrência desleal (CDs são vendidos por menos de R$ 10 em São Paulo, contra o preço de mercado de R$ 20 para os legais), existe a questão da qualidade do produto.
"Compact discs" são gravações digitais, fazendo com que os piratas sejam cópias perfeitas do original. Basta ouvir um para perceber que a qualidade do som em geral é a mesma. Com a vantagem de que eles não danificam o toca-CDs.
Ao contrário, fitas piratas têm qualidade de som inferior das originais e, normalmente, soltam uma quantidade alta de óxido de ferro no cabeçote do toca-fitas, danificando-o com o tempo.
A desvantagem do CD pirata é que quase sempre ele não tem bom acabamento (não há letras das músicas, por exemplo) e, às vezes, chega com alguns riscos em sua superfície (nesse caso, a qualidade do som é comprometida) devido à falta de acondicionamento adequado em seu transporte.

Dynamite
Os piratas ainda levam outra vantagem sobre as gravadoras.
Já que não pagam os direitos autorais, podem fazer coletâneas de artistas de diferentes gravadoras, usando os maiores sucessos.
"Se tivessem de pagar os direitos de cada música, gastariam uma fortuna. E nenhuma gravadora cederia seu maior artista para uma coletânea de outra gravadora, a não ser no caso das trilhas de novelas", diz Gonçalves.
Um caso já famoso desse tipo de pirataria no Brasil é a linha de CDs "Dynamite", com músicas dos maiores astros mundiais da black music. Segundo a Apdif, o responsável pela linha "Dynamite" se chama Donizette Sampaio. Nas Grandes Galerias, no centro de São Paulo, onde esse CD é vendido a R$ 15, os lojistas também apontam Donizette como o fabricante. "É o Donizette que faz. Ele tem até uma rádio pirata para divulgar o disco", disse um vendedor.
Encontrado pela reportagem da Folha em sua casa, na zona norte de São Paulo, Donizette Sampaio negou que fizesse os CDs. Disse que tinha uma equipe de som que animava festas, mas desistiu para virar motorista de ônibus.
Na conversa, deixou escapar um comentário sobre as gravadoras: "Elas pagaram o erro pela tecnologia", referindo-se aos aparelhos para gravação de CDs.
Segundo Gonçalves, em uma apreensão recente de CDs "Dynamite", foram encontrados 350 mil selos holográficos. O detalhe dos selos é que eles foram criados pelo próprio pirata para evitar que ele mesmo fosse pirateado.




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