São Paulo, quinta-feira, 04 de março de 2004

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CRÍTICA

Didatismo para um personagem antididático

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"Glauber O Filme, Labirinto do Brasil" tem a intenção mais ou menos ostensiva de buscar o lugar de Glauber Rocha na cultura brasileira. Se isso acontece, é por Glauber permanecer uma das figuras intelectuais mais enigmáticas do século 20.
Como cineasta, foi um dos responsáveis pelo nascimento de um cinema brasileiro estável, dotado de um pensamento próprio, e também por sua propagação.
Ora, esse Glauber chega ao século 21 praticamente ignorado. Pelo "grande público", o que não é surpresa -seus filmes nunca foram populares. E pelos próprios cineastas -o que é mais espantoso do que surpreendente.
Silvio Tendler, realizador deste documentário, pretende endereçar-se sobretudo a essa grande quantidade de espectadores que não viram ou não entenderam bulhufas dos filmes de Glauber.
Para tanto, "Glauber o Filme" deve não apenas deter-se na personalidade exuberante do cineasta baiano, como de certa forma fazer o levantamento das circunstâncias da vida deste homem. Contextualizá-lo, digamos assim.
Temos então não apenas o cineasta, mas o cineasta e seu tempo: que questões desafiavam os intelectuais daquele momento e por que a instauração de um cinema conseqüente era estratégica à tarefa de libertação nacional imaginada pelos intelectuais.
É às gerações pós-redemocratização que "Glauber" se endereça, antes de mais nada, convidando-as a meditar sobre a morte e o enterro de Glauber. Enterro, por sinal, que Tendler filmou com extrema delicadeza. A filmagem é quase envergonhada, como se captasse algo que não devia e, sobretudo, não queria ver (o fato de retomar essas imagens repetidas vezes enfatiza, curiosamente, bem mais esse pudor do cinegrafista que um suposto voyeurismo).
Resta que a tarefa a que se propõe "Glauber" é eminentemente didática. Aplicada a um personagem antididático como Glauber, termina por criar uma contradição forte em relação ao personagem. Glauber é dessas figuras que vieram mais confundir que para explicar. O filme, de certa forma, o lineariza, torna explicável, um transparente "anti-Glauber".


Glauber o Filme, Labirinto do Brasil
   
Produção: Brasil, 2003
Direção: Silvio Tendler
Quando: a partir de amanhã, no Espaço Unibanco, Sala UOL de Cinema e circuito



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