São Paulo, sexta-feira, 04 de março de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ERIKA PALOMINO

PARIS FAZ POVO SONHAR COM A MODA

Antes que o leitor comece a chochar a roupa aqui da foto, aproveito para responder a pergunta que mais fazem os não-fashionistas. Não, os estilistas não esperam que a gente saia assim na rua, mas exageram numa imagem para reforçar uma idéia, um tema. Foi o que fez a dupla Viktor & Rolk, responsável por alguns dos momentos fashion mais incríveis dos últimos cinco anos. As modelos entravam com travesseiros gigantes, como se estivessem deitadas, como nas fotos de Inez van Lamsweerde.
É a interpretação do boudoir -os elementos do quarto de uma mulher (telas de bordados, as rendas, o matelassê)... A leitura deles, muito contemporânea e artística, da feminilidade em si -uma das principais tendências da moda. Tudo ao som de Tori Amos, tocando ao vivo, o que desconcertou ainda mais o povo da moda, que não costuma se desconcertar com pouco.
Galliano, por exemplo, vai ter que rebolar (mais) para conseguir de novo o brilho de anos atrás no prêt-à-porter da Dior. Crise de idéias? Racionamento, talvez. Tanto que ele remixou o tema da Factory/anos 60 de sua alta-costura. A platéia pareceu se divertir mais com a entrada final -a do estilista, não a das modelos. Sempre exibido, ele reverenciou Diana Ross, na primeira fila feita de sofás.
Aí com os 60, os 80. Ainda, de novo, outra vez, como queira. Enquanto Marc Jacobs cita Yohji, o que faz o mestre japonês em Paris? Faz Comme des Garçons -eu achei. Nos embrulhos, nas grandes lapelas e na explosão pink do início. Alguém brincou, depois, no backstage: de onde vêm essas cores? O senhor tomava ácido nos anos 60? "Sim, algumas vezes", respondeu o -ainda- surpreendente mestre do japonismo.
A história da feminilidade continuou na Rochas. Olivier Theyskens prossegue na reconstrução do luxo e da elegância, acionando a onda passado/ presente, numa silhueta eduardiana romântica, com as notas perversas que sobem de seu perfume austero e fechado. Lá fora, a neve cobre Paris. E a trilha sonora otimista da minha semana em Paris para tudo dar certo foi... Jack Johnson!!

CONVERSINHA

Uma das coisas de que mais gosto nas temporadas internacionais é a chance que tenho de ficar mais perto de Costanza Pascolato. Desde 94, quando comecei a cobrir o prêt-à-porter, trocamos opiniões sobre os desfiles, falamos dos personagens do Planeta Fashion, dividimos caronas e, nas vezes em que nos sentam perto, temos tempo de colocar a conversa em dia. Como me sinto privelegiada por ouvir as considerações da maior unanimidade do Brasil, como definiu Washington Olivetto, divido aqui algumas impressões deste inverno 2005/2006, enquanto esperávamos por cem anos o início do desfile da Rochas.

 

Folha - Você gostou do Balenciaga? Eu achei lindo. Mas o que tanto tinha dos famosos arquivos? Fiquei achando que eu tinha que voltar e estudar mais.
Costanza Pascolato -
Eu também achei lindo. Bem, eu conheci esses arquivos ainda nos anos 70, tinha uma mulher, ela é que guardou tudo. O principal trabalho dos arquivos, entretanto, é aquele das formas e já foi feito na outra temporada. Mas eu tiro o chapéu para ele [Nicolas Ghesquière], sempre.

Folha - Do que mais você está gostando nesta estação?
Pascolato -
Vou falar a verdade, não vou fazer média. Gosto dessa coisa couture, que fica vago para a geração de hoje, mas se trata de um cuidado e de uma dificuldade maior em relação ao molde da roupa. O prêt-à-porter começou a fazer um tipo de roupa que se afastou do aspecto mais elaborado da alta-costura, já que não era possível provar as roupas nas pessoas.

Folha - O famoso advento da modelagem em tamanho P-M-G.
Pascolato -
Mais do que isso: mesmo dentro de um mesmo tamanho, tem uma que tem peito maior, a outra, a cintura menor... Agora, eles [o prêt-à-porter] são copiados imediatamente. Tem mais mantô da Miu Miu na Zara do que na Miu Miu. O Galliano na Dior retomou a simplicidade do que era aquela alta-costura. O que eu fiquei decepcionada foi porque, em vez de fazer o vestido anos 60 da alta-costura, ele fez em tricô -que cabe em todo mundo...
[Uma mulher entra na fila em frente e, para variar, esbarra em Costanza Pascolato].
Pascolato - Olha a bolsa da Balenciaga que eu comprei faz uns três anos.

Folha - É, eu comprei também, mas a pequena.
Pascolato -
Milão estava patético, tentando fazer um prêt-à-porter de luxo. Isso não interessa nada ao Brasil. Zero. No Brasil só querem o corpo, coisas para valorizar a feminilidade.

Folha - E os desfiles estão revelando cada vez mais o corpo, não?
Pascolato -
Foi a sorte do Brasil. O mundo hoje quer o Brasil, é uma necessidade. Tem a ver com comportamento. Isso para a moda é tão novo, e o Brasil tem isso faz tempo.


Texto Anterior: Hipersônicas
Próximo Texto: Cinema - "Espanglês": Cineasta mira no "povo invisível" latino
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.