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CRÍTICA
Diretor tem algo a preservar
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Desde os anos 90, Domingos
Oliveira constrói uma trajetória à margem do que se pretende uma "indústria brasileira de cinema". São filmes baratos, caseiros, eventualmente feitos em digital (como este). São filmes que interessam ao espectador, no entanto, porque, ao contrário da imensa maioria dos filmes feitos no
Brasil nos últimos tempos, têm algo a dizer, a inquirir, a preservar.
O que há a preservar é o aspecto
carioca. "Feminices" não é só um
filme sobre quatro mulheres (Clarice Niskier, Priscilla Rozenbaum,
Cacá Mourthé, Dedina Bernadelli), mas sobre quatro cariocas na
casa dos 40 e os dilemas no amor,
no casamento, na maternidade.
E na profissão. Pois escrevem
uma peça sobre a experiência de
chegar aos 40. São quatro personagens à procura de um diretor,
de certa forma, pois Mariano (Oliveira) não está disposto a dirigir o
texto que estão produzindo. Aliás,
outros diretores o rejeitam.
Essa rejeição caracteriza o problema central: será que mulheres
dessa faixa etária são capazes de
produzir um texto realmente confessional? Ou ainda: será que o
confessional é o que basta para
tornar um texto interessante?
Essas são, em suma, as questões
colocadas por Mariano. A primeira diz respeito à capacidade de
elaborarem confissões verdadeiras; a segunda, à natureza do trabalho artístico. Isto é: a partir de
que ponto a ficção é necessária
para chegar a algo interessante.
Mas aí já está sugerido um outro
problema: o que é ficção e o que
não é, naquilo que narram as dramaturgas? O que se pede a elas é
que sejam fingidoras como no
poema de Fernando Pessoa. Seriam capazes? O tanto de histeria
que vemos parece interditar-lhes
qualquer insinceridade, qualquer
tipo de cálculo -e não existe autor sem capacidade de cálculo.
Quem entra na história para
fornecer esse lado é o homem. Ele
se manifesta nos testemunhos inseridos pelo diretor ou até mesmo
pela intervenção de Mariano, o
único capaz de dar forma às questões formuladas pelas mulheres.
Se estamos aí diante de um caso
de machismo, ele é bastante particular. Um machismo amoroso,
pode-se dizer do de Mariano, em
que está em questão não dominar
a mulher, mas lhe permitir a plena
expansão intelectual e afetiva
(machismo um tanto paternalista, também, pois ele é bem mais
velho do que ela). É um aspecto
não discutido, mas que está no
cerne deste filme-ensaio.
A notar que Oliveira agora filma
em digital. O sistema tem muitas
deficiências, exacerbadas pelas
incompreensíveis passagens do
preto-e-branco ao colorido. Ainda assim, leva vantagem sobre o
tempo em que o diretor trabalhava em película, mas parecia fazer
do mau acabamento um ponto de
honra. Com certeza, a presença de
Dib Lufti na equipe tem a ver com
a fluência do trabalho de câmera.
Feminices
Direção: Domingos Oliveira
Produção: Brasil, 2004
Com: Clarice Niskier, Priscilla
Rozenbaum, Cacá Mourthé
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco
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