São Paulo, sexta-feira, 04 de março de 2005

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CRÍTICA

Diretor tem algo a preservar

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Desde os anos 90, Domingos Oliveira constrói uma trajetória à margem do que se pretende uma "indústria brasileira de cinema". São filmes baratos, caseiros, eventualmente feitos em digital (como este). São filmes que interessam ao espectador, no entanto, porque, ao contrário da imensa maioria dos filmes feitos no Brasil nos últimos tempos, têm algo a dizer, a inquirir, a preservar.
O que há a preservar é o aspecto carioca. "Feminices" não é só um filme sobre quatro mulheres (Clarice Niskier, Priscilla Rozenbaum, Cacá Mourthé, Dedina Bernadelli), mas sobre quatro cariocas na casa dos 40 e os dilemas no amor, no casamento, na maternidade.
E na profissão. Pois escrevem uma peça sobre a experiência de chegar aos 40. São quatro personagens à procura de um diretor, de certa forma, pois Mariano (Oliveira) não está disposto a dirigir o texto que estão produzindo. Aliás, outros diretores o rejeitam.
Essa rejeição caracteriza o problema central: será que mulheres dessa faixa etária são capazes de produzir um texto realmente confessional? Ou ainda: será que o confessional é o que basta para tornar um texto interessante?
Essas são, em suma, as questões colocadas por Mariano. A primeira diz respeito à capacidade de elaborarem confissões verdadeiras; a segunda, à natureza do trabalho artístico. Isto é: a partir de que ponto a ficção é necessária para chegar a algo interessante.
Mas aí já está sugerido um outro problema: o que é ficção e o que não é, naquilo que narram as dramaturgas? O que se pede a elas é que sejam fingidoras como no poema de Fernando Pessoa. Seriam capazes? O tanto de histeria que vemos parece interditar-lhes qualquer insinceridade, qualquer tipo de cálculo -e não existe autor sem capacidade de cálculo.
Quem entra na história para fornecer esse lado é o homem. Ele se manifesta nos testemunhos inseridos pelo diretor ou até mesmo pela intervenção de Mariano, o único capaz de dar forma às questões formuladas pelas mulheres.
Se estamos aí diante de um caso de machismo, ele é bastante particular. Um machismo amoroso, pode-se dizer do de Mariano, em que está em questão não dominar a mulher, mas lhe permitir a plena expansão intelectual e afetiva (machismo um tanto paternalista, também, pois ele é bem mais velho do que ela). É um aspecto não discutido, mas que está no cerne deste filme-ensaio.
A notar que Oliveira agora filma em digital. O sistema tem muitas deficiências, exacerbadas pelas incompreensíveis passagens do preto-e-branco ao colorido. Ainda assim, leva vantagem sobre o tempo em que o diretor trabalhava em película, mas parecia fazer do mau acabamento um ponto de honra. Com certeza, a presença de Dib Lufti na equipe tem a ver com a fluência do trabalho de câmera.


Feminices
   
Direção: Domingos Oliveira
Produção: Brasil, 2004
Com: Clarice Niskier, Priscilla Rozenbaum, Cacá Mourthé
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco


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