São Paulo, sexta-feira, 04 de março de 2005

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"CONFIDÊNCIAS MUITO ÍNTIMAS"

Leconte assume complexo freudiano

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Esta é a história de um casamento que conheceu o seu auge nos anos 50 e viveu, desde então, lenta agonia. A história da relação entre o cinema e a psicanálise, relação que, como prova o novo filme de Patrice Leconte, "Confidências Muito Íntimas", já deu o que tinha que dar.
Leconte bem o sabe. No fundo, ele só faz polir o imenso monumento que o cinema clássico americano ergueu a Freud, gesto que já se tornou uma obsessão dos cineastas franceses.
Onde deveria mostrar inspiração, Leconte usa referências, um pouco de cinema noir, muito de Alfred Hitchcock. Curioso como o fantasma da tradição americana costuma atrair e assustar os franceses: o que parecia ser apenas uma "angústia da influência" para a geração nouvelle vague tem se revelado um verdadeiro complexo de inferioridade para as novas gerações.
O cenário de "Confidências" é um lúgubre prédio de escritórios, tão lúgubre que leva a já desnorteada protagonista, Anna (Sandrine Bonnaire), a bater na porta errada. Confundido com o vizinho psicanalista, o consultor tributário William Faber (Fabrice Luchini) aceita o papel. A "mascarada" serve de deixa para a melhor (para não dizer, a única) tirada do roteirista Jerôme Tonnerre: contadores e psicanalistas, sugere ele, lidam com o mesmo tipo de neurose, com "o que as pessoas declaram e o que escondem".
Se fôssemos aplicar o mesmo princípio ao seu roteiro, diríamos que se trata de uma narrativa tão recalcada quanto seus personagens, um suspense que nos furta (por uma inexplicável elipse) de seu próprio clímax e que nem se aprofunda na psicologia de suas personagens nem dela arreda o pé. Salvo quando, volta e meia, detém-se, sem motivo aparente, em uma telenovela que é a obsessão da zeladora do prédio.
A função dessa novela é o verdadeiro mistério (insolúvel) do filme. Leconte não infere nenhuma relação daí, mas é como se criasse sem querer, por um ato falho, um paralelismo entre a telenovela e essa espécie de folhetim de classe média em que se traduz a experiência psicanalítica dos dois protagonistas. Afinal, o que Freud chamava de "romance familiar" tinha mesmo um que de folhetinesco: revelava, em qualquer pessoa, um sujeito trágico às voltas com paixões e conflitos extraordinários, fazia de todos nós potenciais heróis de cinema.


Confidências Muito Íntimas
Confidences Trop Intimes
 
Direção: Patrice Leconte
Produção: França, 2004
Com: Sandrine Bonnaire, Fabrice Luchini, Michel Duchaussoy
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco, Frei Caneca Unibanco Arteplex e Lumière


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