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"CONFIDÊNCIAS MUITO ÍNTIMAS"
Leconte assume complexo freudiano
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Esta é a história de um casamento que conheceu o seu
auge nos anos 50 e viveu, desde
então, lenta agonia. A história da
relação entre o cinema e a psicanálise, relação que, como prova o
novo filme de Patrice Leconte,
"Confidências Muito Íntimas", já
deu o que tinha que dar.
Leconte bem o sabe. No fundo,
ele só faz polir o imenso monumento que o cinema clássico
americano ergueu a Freud, gesto
que já se tornou uma obsessão
dos cineastas franceses.
Onde deveria mostrar inspiração, Leconte usa referências, um
pouco de cinema noir, muito de
Alfred Hitchcock. Curioso como
o fantasma da tradição americana
costuma atrair e assustar os franceses: o que parecia ser apenas
uma "angústia da influência" para a geração nouvelle vague tem se
revelado um verdadeiro complexo de inferioridade para as novas
gerações.
O cenário de "Confidências" é
um lúgubre prédio de escritórios,
tão lúgubre que leva a já desnorteada protagonista, Anna (Sandrine Bonnaire), a bater na porta
errada. Confundido com o vizinho psicanalista, o consultor tributário William Faber (Fabrice
Luchini) aceita o papel. A "mascarada" serve de deixa para a melhor (para não dizer, a única) tirada do roteirista Jerôme Tonnerre:
contadores e psicanalistas, sugere
ele, lidam com o mesmo tipo de
neurose, com "o que as pessoas
declaram e o que escondem".
Se fôssemos aplicar o mesmo
princípio ao seu roteiro, diríamos
que se trata de uma narrativa tão
recalcada quanto seus personagens, um suspense que nos furta
(por uma inexplicável elipse) de
seu próprio clímax e que nem se
aprofunda na psicologia de suas
personagens nem dela arreda o
pé. Salvo quando, volta e meia,
detém-se, sem motivo aparente,
em uma telenovela que é a obsessão da zeladora do prédio.
A função dessa novela é o verdadeiro mistério (insolúvel) do filme. Leconte não infere nenhuma
relação daí, mas é como se criasse
sem querer, por um ato falho, um
paralelismo entre a telenovela e
essa espécie de folhetim de classe
média em que se traduz a experiência psicanalítica dos dois protagonistas. Afinal, o que Freud
chamava de "romance familiar"
tinha mesmo um que de folhetinesco: revelava, em qualquer pessoa, um sujeito trágico às voltas
com paixões e conflitos extraordinários, fazia de todos nós potenciais heróis de cinema.
Confidências Muito Íntimas
Confidences Trop Intimes
Direção: Patrice Leconte
Produção: França, 2004
Com: Sandrine Bonnaire, Fabrice
Luchini, Michel Duchaussoy
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco, Frei Caneca Unibanco
Arteplex e Lumière
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