São Paulo, sábado, 04 de março de 2006

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LIVROS

ESTUDO


Organizado por Demétrio Magnoli, "História das Guerras" traz 15 textos

Compilação revê conflitos que mudaram os rumos do mundo

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Há uma moral comum e há uma moral política. O Maquiavel mais básico é útil ao fornecer um arcabouço filosófico para entender as guerras. Do ponto de vista da moral comum, a guerra é imoral; do ponto de vista da moral política, é história. "Guerra é cultura", resume o sociólogo e colunista da Folha Demétrio Magnoli, na apresentação de "História das Guerras", que ele organizou.
Magnoli traça uma linha divisória entre as perspectivas americana e européia. Nos Estados Unidos, a visão moralista que orienta a política externa não pode ser explicada nos limites da razão geopolítica. Os americanos têm um sentido de missão, acham-se predestinados a defender a liberdade. Na Europa, a história é outra. "Os europeus nunca acreditaram que a liberdade, a justiça ou outro valor universal possa servir de norte para a política externa das nações. Eles sempre curvaram-se ao primado do interesse nacional."
Missão ou interesse, não necessariamente excludentes, são a mola propulsora dos 15 conflitos tratados no livro, desde a guerra do Peloponeso, no século 5 antes de Cristo, até a do Golfo, cujos desdobramentos ainda alimentam o noticiário. O denominador comum é o fato de as guerras em questão terem resultado em mudanças fundamentais de rumo na trajetória da humanidade.
O formato do livro, ao dedicar entre 20 e 30 páginas a cada guerra, induz os autores a adotar um tom apostilar. Em muitos momentos, porém, os textos mergulham na análise e se transformam em verbetes enciclopédicos. No artigo sobre a guerra do Peloponeso, por exemplo, a disputa entre Atenas e Esparta é apresentada como a primeira travada num contexto da democracia. Atenas teve a sua estratégia limitada por essa circunstância, o que provou ser desastroso.
O livro ajuda a desfazer preconceitos. O texto sobre as invasões bárbaras começa por apontar a expressão pejorativa pela qual conhecemos a série de conquistas que abalou o império romano. "Bárbaro" é sempre considerado do ponto de vista do "não-bárbaro", daquele que se identifica com o mundo romano, como nota o autor, José Rivair Macedo.
Se há um senhor da guerra que merece destaque é Napoleão Bonaparte. O general e mais tarde imperador é apresentado como aquele que se impôs como solução para os problemas que a Revolução Francesa não conseguia resolver. Vem daí o termo "bonapartismo", que designa o sistema político baseado numa ditadura militar popular. Na visão marxista, não mencionada explicitamente pelo autor, Marco Mondaini, o bonapartismo ocorre quando nenhuma classe domina a sociedade e se faz necessário proteger a propriedade privada. É esse o sentido do Código Civil que as guerras napoleônicas ajudaram a difundir.
O capítulo sobre a guerra do Paraguai, de Francisco Doratioto, é um resumo de seu livro "Guerra Maldita", que estabeleceu a melhor interpretação do conflito. O livro derruba visão marxista, em voga nos anos 70, que, para atingir a ditadura, atacava a figura de Duque de Caxias, patrono do Exército, e apresentava Solano López como líder progressista.
"História das Guerras" pode ser lido de ponta a ponta, mas é sobretudo uma obra de referência.


Oscar Pilagallo é jornalista, editor das revistas "EntreLivros" e "História Viva" e autor de "A História do Brasil no Século 20" (em cinco volumes, pela Publifolha)

História das Guerras
   
Organizador: Demétrio Magnoli
Editora: Contexto
Quanto: R$ 55 (480 págs.)

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