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CONTO/CRÍTICA
"Brokeback", o livro, não tem densidade
NOEMI JAFFE
ESPECIAL PARA A FOLHA
O filme é melhor. Tratando-se de um livro que está sendo lançado de carona no sucesso
do filme, não há como não comparar. E o livro perde, pois o único
recurso literário forte na narrativa
é o tratamento dado ao espaço, o
que, exceto casos raros, é facilmente superável pelo cinema.
Várias coisas no texto soam artificiais em português. Há aquelas
famosas expressões que só dão
certo em inglês: "não a ponto de
poder comer pipoca no gargalo
de uma garrafa", por exemplo, tipo de "esperteza" americana mais
própria para seriados de TV.
O conto começa com um flashback, em que Ennis aparece mais
velho, logo após sonhar com Jack.
O flashback é curto, instantâneo
mesmo, e termina com uma alusão a acontecimentos do passado,
fisgando a atenção do leitor para a
narração do conflito. Flashbacks
rápidos assim funcionam no cinema, inseridos na memória de forma natural. Em literatura, é preciso um tratamento mais denso para que essa inserção aconteça.
Elementos como o tempo (passam-se 20 anos, afinal) e os personagens que, inegavelmente, têm
uma grande singularidade, tampouco são bem explorados. A história é narrada mais como um
mero relato ou um roteiro cinematográfico, do que como uma
construção literária. Os fatos se
sucedem rapidamente, com um
colorido típico da região e com
uma crueza que, em alguns momentos, até empresta força à narrativa, mas de forma previsível.
Parece que toda a surpresa reservada pela narrativa -o fato de
os caubóis serem homossexuais- reduz-se ao próprio fato.
Pronto, eles são homossexuais e
isso é o suficiente, quando esse
dado deveria fazer parte de uma
dinâmica mais complexa.
De positivo, resta o tratamento
dado ao espaço, com descrições
bonitas sobre as cores da manhã,
a tempestade, o anoitecer. Não à
toa, um personagem que curiosamente se sustenta na história é o
vento, que reaparece sempre, como que seguindo a narrativa e assumindo várias formas. Logo no
início, "o vento bate no reboque
como uma carga de lixo sendo
despejada de um caminhão"; chegando na montanha, os dois entram "nos grandes prados floridos e na ventania sem fim".
Uma cena que poderia ter sido
explorada no filme e que aparece
como a mais comovente do conto
é aquela em que Ennis se lembra
que o único momento de "felicidade natural e encantada em suas
vidas separadas e difíceis" foi o
momento, não de uma transa,
mas de um abraço mudo e apertado. Talvez isso dê razão àqueles
que dizem ter visto no filme não
uma história homossexual, mas
mais uma bela história de amor.
Noemi Jaffe é autora de "Folha Explica
Macunaíma" (Publifolha) e "Todas as Coisas Pequenas" (ed. Hedra)
O Segredo de Brokeback Mountain
Autor: Annie Proulx
Tradução: Adalgisa Campos da Silva
Editora: Intrínseca
Quanto: R$ 22,90 (72 págs.)
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